Ufa! Até que enfim terminei a leitura de Estudos Feministas: por um direito menos machista. O livro é uma coletânea de artigos, o que faz com que a leitura possa ser pausada e, no meu caso, adiada. Por isso, há meses estava devendo o review do livro aqui para blog, mas finalmente aqui estou eu.

O fim da minha leitura coincidiu com um acontecimento repugnante.  No final de outubro, na aula de  Direito das Sucessões na Universidade Federal de Rondônia, o professor da disciplina, Samuel Milet, proferiu diversos xingamentos direcionados à Sinara  Gumieri, advogada e mestra em Direito pela Universidade de Brasília,  que havia dado uma palestra para as estudantes do curso na semana anterior sobre a importância de se falar sobre gênero no campo do direito. Milet a chamou de “defensora de aborto, de gênero, vagabunda”, entre outras atrocidades. Em determinada hora, afirma que a fala dela, na palestra, foi toda voltada a uma “questão de gênero”: “Aonde foi que se discutiu direito ali?”, questionou. Perceberam a correlação com o livro, né?

Esse caso além de provocar meu absoluto repúdio, me remeteu imediatamente à esse livro, que não poderia ser mais claro ao colocar, já no subtítulo, a necessidade de um direito menos machista. O conteúdo, então, provoca uma reflexão aprofundada e necessária ao campo do Direito.

É um livro com 12 capítulos, bem estruturados e bem escritos, sobre diversos temas, todos, claro, de alguma forma relacionado ao âmbito jurídico, como se propõe. Não tenho como falar de todos os capítulos, sob pena deste review ficar demasiadamente longo, mas gostaria de mencionar alguns.

No capítulo “Nascidos no Cárcere: a punição sem pena e a pena sem crime”, as autoras, Bartira Macedo de Miranda Santos e Cristina Zackseski, descrevem “alguns casos concretos de desencarceramento de mulheres em que o pedido judicial foi feito pela Defensoria Pública do Pará em nome dos filhos recém-nascidos das presas” (Pg. 35). Após constatarem que os juízes “não se comovem com histórias de mulheres encarceradas”, a Defensoria Pública passou a “pleitear a liberdade das mulheres não em nome das próprias mulheres, mas em nome de seus filhos pequeninos” (Pg. 42). O artigo, então, se debruça, a partir de casos concretos, sobre maternidade, encarceramento e direito penal.

O capítulo 9, intitulado “Criminologia Feminista:  invisibilidade(s) e crítica ao pensamento criminológico desde uma nova ética” também figura entre os meus preferidos.  Devo confessar que, lendo-o, imediatamente tive que procurar pelo nome da autora – Soraia da Rosa Mendes – e anotar para, depois, buscar mais artigos dela. Apesar de me interessar por criminologia e feminismo, nunca havia lido especificamente sobre criminologia feminista. Pra quem também tem dúvidas, a autora resume: “adotar o ponto de vista feminista significa um giro epistemológico, que exige partir da realidade vivida pelas mulheres (sejam vítimas, rés ou condenadas) dentro e fora do sistema de justiça criminal. Eis o objetivo maior de uma criminologia feminista”.

Como se pôde perceber, meus artigos preferidos giraram em torno dos temas relacionados ao âmbito do direito criminal. Mas, caso não seja esse seu interesse, não se desaponte! O livro conta com muito mais que isso. O capítulo 5, por exemplo, discute  “o papel da mulher na esfera acadêmica do Direito”, o capítulo 6 fala, por sua vez, sobre o surgimento de “uma nova tipologia de família, a família transnacional” (Pg. 95) e, a partir daí, sobre “maternidade transnacional”. Outro capítulo imperdível – e pelo título você já vai sacar porque –  fala sobre sexualidade feminina. Apesar do tema ser recorrente na literatura feminista, foi capaz de me trazer informações que desconhecia além de um embasamento muito original.  “Manifesto clitoriano: gozo, logo não sou idiota”, é de uma leitura contagiante e tem um desfecho especialmente sensacional.

Acredito que muitos capítulos desse livro devem servir de bibliografia para aulas de Direito das Universidades brasileiras e até mesmo de outros cursos, pois o livro trata de temas multidisciplinares. Somente assim não veremos casos como o da Universidade Federal de Rondônia.

Uma coisa é certa: precisamos discutir gênero no Direito pois é urgente um direito menos machista. Certamente recomendo a leitura.

Título: Estudos Feministas por um Direito menos machista

Autor: Diversos

Organizadores: Aline Gostinski e Fernanda Martins

Editora: Empório do Direito

Código de Barras: 9788568972878

Páginas: 226

 

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