Agora dei pra me viciar em podcast. Agora eu fico horas dando google em toda e qualquer mulher pela qual eu me apaixono no podcast. Às vezes acho que fico apaixonada real pela mulher que tá lá, falando tranquilamente dos sexos todos e dos pelos pubianos. eu costumo me achar extrovertida. Eu costumava me achar extrovertida. até me viciar em podcasts.

Nesse google percebo que essa minha paixão tem outro nome: inveja.

Eu sou uma fudida que escreve fudida e já pensa que o que será que vão pensar desse meu linguajar ohmeudeus.

Oh, meu deus, por que foi que me enfiaram num colégio de freiras? só pra fazer nascer uma semente (ou melhor, um tumor) que floresce todo ano, quer dizer todo mês, quer dizer toda hora, em mim? Um tumor que vem junto com a radioterapia com as ondas do rádio no meu corpo numa frequência onde só toca CULPA.

Pensando bem, as pessoas mais doidas que eu conheço estudaram em colégio de freiras. Acho que ou ‘endireitava a mocinha’ ou rasgava de vez o santo nome do zeloso guardador. Aliás, haja anjo. Aliás, haja.

Voltando à inveja. Acho que essas mulheres realmente estão fazendo um trabalho incrível ao esconder no canto da boca ou no vão dos dedos dos pés essa exigência maldita das cores pastéis.

Eu engasgo ao falar vagina. Buceta só falo bêbada.

Oh, meu deus do céu, por que foi que eu fui fazer catequese?

Se bem que as pessoas mais loucas, mais loucas mesmo que eu conheço fizeram catequese. Se bem que acho que não tem porcaria (falaria porra não fosse o hábito, não meu, o da freira) nenhuma de loucura nisso.

Para. Deixa eu organizar. Acho que sinto inveja não da loucura, mas da lucidez dessas mulheres. por que é preciso ser muito lúcida para ter a dimensão real da consequência real de falar palavrão ou de compartilhar experimentos orgasmaticos. A vida passa e a gente vai morrer (pequeno formigar nos dedos dos pés). A vida passa e um pouco de cara fechada do amigo que se reconhece nas revelações do machismo podre que, sim, amigo lindo do meu coração, você é um machista. Mas se é meu amigo, é porque não é daqueles podres. Se eu parei de frequentar o mesmo ambiente que você, sim, o seu machismo podre fez de você um podre e eu prefiro existir mais longe um pouco, tá?

Pensando em consequência, digamos que doido, obsceno, inconsequente é quem desmata a amazônia. Ou achata a terra. É. Não tenho inveja de quem desmata a amazônia. Nem dos chatos da terra chata. E nem dois doidos catequéticos, caquéticos, enfiando filé na boca. Os doidos que buzinam pra mulher na rua. Quer maior alucinação do que achar que a sua buzinada na rua faz a porra da diferença na vida de alguém? Doido é quem gasta 100 mil reais num carro que é pra levar pra lá e pra cá e multa. E doido mesmo é aquele que quer se enterrar num casamento de merda pra manter bonita a foto da família.

Doidos catequéticos. Saudosos da fanfarra e do hino. Saudosos da ordem e da castração. Saudosos do tempo em que nunca ninguém era, mas, ao menos, parecia.

Desgraça. Maldição. Eu sou uma doida dessas. Acho. Respingando a catequese e os bons costumes. Respingando a desgraça da foto bonitinha. Talvez esteja aí o meu mal estar. Minha boca cala-se num refluxo.  Sempre. Meu refluxo enferruja a voz e a vida. Estou a caminho.

Mulheres, por favor, sejam gentis comigo e não me achem uma caipira. Mesmo eu sendo uma. Me emprestem um pouco de lucidez.

Doido mesmo é ver uma árvore genealógica inteirinha de infelizes.

Eu estou a caminho.

 

Liana Ferraz. atriz, escritora com dois livros publicados (“Elas estão quietinhas” e “Analógica”), doutora em Artes pela UNICAMP e Pós Doutora pela ECA/USP. Mãe de uma filha de 12 anos. Escrevo no Instagram (@lianaferraz).

 

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