Não faltam informações, orientações, opiniões e “acho que você deveria fazer assim” / “eu fiz isso” quando se trata dos cuidados de um bebê. É possível encontrá- las, ou ser encontrado por elas, em todos os cantos. Quando o assunto é aleitamento se torna quase uma heresia quando uma mulher diz que não quer amamentar. Pois bem, vamos conversar um pouco sobre isso.

É de grande disseminação a orientação do Ministério da Saúde a respeito do fator nutricional e do período sugerido para alimentação de todos os recém- nascidos: Se possível, dois anos ou mais de leite materno, sendo os seis primeiros meses exclusivos e em livre demanda e, em seguida, iniciar a inserção gradual de outros alimentos e texturas. Pesquisas vêm mostrar os benefícios do leite materno (indiscutíveis do ponto de vista nutricional e fisiológico), sob a penalidade de que, se não consumido, poderá vir a causar uma série de consequências negativas para o bebê, seja de ordem orgânica e do desenvolvimento, seja de ordem psíquica, cognitiva ou afetiva.

Dados de pesquisas vêm aliados à questão econômica: o leite é gratuito e a produtora não é assalariada. Um ótimo combo para fomentar e organizar as políticas públicas. Cabe ressaltar que acredito na função de tais políticas, o que elas vêm promover e reduzir e o valor que o leite materno tem para o bebê e para a sociedade. Também são totalmente válidas as orientações e dicas sobre a “pega correta”, a posição do bebê, a estimulação do seio da melhor maneira e que este precisa ser esvaziado e outras sugestões que podem favorecer uma amamentação mais prazerosa e evitar desastres e apuros físicos e psíquicos. Não se trata aqui de demonizar as políticas públicas e os achados científicos, muito menos ser contra o aleitamento materno, mas sim de pensar no reflexo e no poder de seu discurso.

O que está em jogo aqui é a forma como esse tipo de discurso informativo quanto à obrigatoriedade do aleitamento materno pode se transformar em um discurso imperativo e torturante para muitas mulheres. Esse discurso dominante que nos ronda traz uma série de recomendações que soam como parâmetros únicos, padronizados e forçosos que põem em cheque não só a singularidade das mulheres e dos bebês, mas também a particularidade que se constrói em cada relação entre uma mulher e um bebê.

E é justamente da construção desta relação única que se trata. Relação que envolve o olhar, o toque pelo corpo, as palavras que são ditas e a maneira que são ditas, elementos estes fundantes de uma subjetividade no bebê. A amamentação pode ser um momento para a construção desta relação, o que não significa que seja a única forma de fazê-lo e que aleitar garanta esse processo de subjetivação.

É nesse sentido que volto a comentar que o discurso obrigatório do leite materno como o melhor e único alimento do globo terrestre pode afetar de maneira coercitiva e constrangedora aquelas mulheres que possam ter alguma impossibilidade real que atinja o corpo, como uma deformidade no mamilo, por exemplo; aquelas que por falta de assistência adequada amamentam sentindo dor, pois pode causar ferimentos e/ou embaraço levando ao fracasso; aquelas que não são autorizadas a amamentar, pois se trata de um bebê prematuro em UTI que apenas recebe o leite via sonda; ou ainda aquelas mulheres que simplesmente (não tão simples assim) bancaram o seu desejo de não amamentar e irão introduzir outro tipo de alimento. Momento em que muitas mulheres são acusadas de serem péssimas mães, seja pelos demais ou por elas mesmas.

Logo, a questão nutricional e de saúde física do bebê deve estar alinhada à saúde psíquica e o desejo da mulher que o pariu. O desejo e a sustentação da escolha de amamentar ou não cabe unicamente a ela, sob quaisquer circunstâncias. A mulher enquanto um sujeito é responsável por seu corpo e seu desejo.

Ressalto, por fim, que a alimentação, via mamária ou outra, somente tem sua função se for acompanhada da subjetivação do bebê, visto que não é só de leite que um bebê tem fome. Assim, o momento de nutrir o recém chegado é aquele em que também se pode promover marcas de afeto e cuidado, é a possibilidade do cuidador escrever com palavras o corpo do bebê, construindo-lhe um lugar na história e no desejo familiar.

*Texto originalmente publicado no site Papo de Bebê.

 

Maycon Fraga   Psicólogo, psicanalista com aprimoramento em Psicanálise, Perinatalidade e Parentalidade. Atua com crianças, adolescentes, adultos e casais em consultório particular. Trabalha no campo da infância, nas áreas constituição psíquica, psicopatologias e intervenção precoce. Integra equipe de pesquisa Metodologia IRDI vinculada ao Laboratório de Estudos e Pesquisas Psicanalíticas e Educacionais sobre a Infância (LEPSI-USP) e e é membro do Laboratório de Psicanálise, Saúde e Instituição da Universidade de São Paulo (LABPSI-USP).

 

Imagem em destaque: Food photo created by valeria_aksakova – www.freepik.com

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