E para iniciar a compreensão se faz necessário ressaltar que a opressão feminina se solidifica em grande parte na proibição social da mulher em se reconhecer como sujeita de desejo, o que nos indica a estruturação de um poder da vida pública dependente da vida privada das oprimidas.

Simone de Beauvoir (1967, p.23), argui que a imposição da dualidade às mulheres para viverem seguindo seus próprios desejos, reforçando o arquétipo da mulher como o “não-homem”, o “outro do homem”: “O drama maior é esse conflito entre a reivindicação fundamental de todo sujeito que se põe sempre como essencial, e as exigências de uma situação que a constitui como inessencial”.

Assim como qualquer outra tentativa de recalque de impulsos e desejos, quando se trata da sexualidade feminina, faz-se pensar na loucura como forma de não submissão. O renomado “pai da psicanálise”, Sigmund Freud, debruçou-se sobre a relação entre a repressão social e doenças nervosas. Dessa forma, aponta-se que há uma relação de proporcionalidade entre o grau de severidade em que uma mulher for educada com rigorosidade se submetendo às exigências da cultura, com o grau de horror que atos desarmônicos com essa disciplina lhe suscitam como por exemplo: infidelidade conjugal, sexo antes do casamento, fantasias sexuais, etc. Essas mulheres recorrem a neurose ou na loucura um refúgio para o conflito entre seus desejos e seus deveres, já que de acordo com o que formulou Freud, não há nada que resguarde mais sua virtude do que sua enfermidade.

Por isso que quando falamos sobre as consequências atribuídas à transgressão da sexualidade, relacionamos à imagem feminina – com as neuroses, doenças mentais – e aos comportamentos dissidentes da manutenção da dominação masculina imposta desde o nascimento, na primeira e mais importante das instituições humanas: a família. Nesse contexto, o desejo e o prazer estão intimamente relacionados com a punição-morte e sua negação é um modo de violência que as mulheres se submetem, reprimindo veementemente seu desejo, sua atividade e sua capacidade de sentir prazer.

A partir da década de 80, as feministas anglo-saxãs já diferenciavam a utilização dos termos gênero de sexo, sendo este designado à questão biológica e aquele para a organização social da relação entre os sexos, com a finalidade de fomentar o debate sobre a abrangência da sexualidade. O que veio a corroborar com a compreensão acerca da dominação masculina e a associação a uma variedade de dicotomias que se opõe e entre si.

Esse sistema de pares binários diverge dos direitos fundamentais e reflete não somente no esteio legislativo e jurídico, bem como reforça as desigualdades que incide na sociedade em razão do dualismo sexual, fortalecendo o poder da dominação masculina na limitação dos direitos femininos. Logo, sendo o homem o que rege como padrão, como a expectativa, a mulher é o avesso a tudo isso, a quem recai as repreensões e culpas. Daí a tão conhecida assertiva de Beauvoir: “Não se nasce mulher, torna-se mulher”.

 

Maria Eugênia de Andrade Silva, advogada, presidenta da Comissão Especial de Direitos Humanos da OAB de Palmares/PE, especialista em Direito Público, feminista-marxista, co-fundadora do Coletivo Marias Também Têm Força e membra do ig @_portalfeminista.

 

Referências:

BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Vol. I, São Paulo: Difel, 1967. MORAES, Maria Lygia Quartim de. A experiência feminista dos anos setenta. São Paulo: Textos UNESP, 1990.

TELES, Amelinha; LEITE, Rosalina Santa Cruz. Da guerrilha à imprensa feminista: a construção do feminismo pós-luta armada no Brasil (1975–1980). São Paulo: Intermeios, 2013.

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