“Seguiremos sorrindo, cantando, dançando e buscando

Justiça, igualdade e pão

Por desejo, liberdade e tesão”

(Letícia Brito, 2019, p. 110)

 

Peço licença às mais velhas para falar das mais novas. Esse mês de julho, que nos é tão caro pelo seu peso e representação da mulher negra latino-americana e caribenha, remonta as memórias de uso diário para oxigenar as nossas lutas cotidianas.

Pensando nessas memórias, e reconhecendo esse espaço de visibilidade, resolvi escrever um pouco sobre algumas mulheres negras que são para mim tão importante quanto as minhas matriarcas Beatriz Nascimento, Conceição Evaristo, Lélia Gonzalez, Sueli Carneiro.

Alessandra Santos é mãe preta, professora e militante da vida. Ela é o que a Beatriz foi. Uma mulher negra que ousa escrever sua vida deixando sentir as dores e as delícias do seu próprio processo de constituição do seu eu. Uma preta das águas doces.

Bruna Santiago, preta, mãe solo, historiadora de sua própria história, cujo pergaminho retinto consubstancia uma pedagogia interativa que muito me ensina e me inspira. Ela faz do seu corpo seu próprio manifesto. E manifesta-se em todas nós.

Carolina Brito, um girassol. Tão preciosa quanto delicada. Sua comunicação reverbera da oralidade a estética preta. É ela que com o Enegrecida veste e reveste tantas pretas com as armaduras das nossas próprias belezas. O empoderamento que ela tanto nos ensina está na sua própria marca de vida.

Érica Rafaela, joia rara feito uma flor de maracujá. Mãe preta d’água. Se faz marinheira porque ela bem entende de profundidade, imensidão e mansidão. Mas não ouse subestimar as suas águas límpidas e tranquilas, pois ela afoga, com um sorriso no rosto, qualquer tipo de injustiça e racismo. Foi com ela que aprendi que a vida é circense, útero e malandragem. Minha mestra!

Inaiana Gama, ou simplesmente negrita, psicóloga negra. Seu divã é para mostrar que nem todas as nossas neuras Freud explica. E que a poesia pode – e deve – ser sempre nossa saudável tarja preta. Ela agrupa as minhas preferências e referências de literatura negra.

Ingrid Sonaly, a malemolência de quem sabe gingar com a vida. É a estudiosa do prazer, do bom e da boemia. É a que sabe tirar proveito dos prazeres. Viver para ela só tem sentido se for vivido com os sentidos, com o toque, com o cheiro, com o gosto. Ela me ensina que é bom beber e celebrar a vida. Gosto de estar em sua garupa e sentir a brisa de Oya em meu rosto. Uma irmã de axé distante, mas que o nosso sagrado sempre nos deixa por perto.

Jéssica Oliveira é incendiária. Granada de força e resistência. Seus versos são como um coquetel molotov. Ela queima e gera chamas de esperança e luta. Mas seus olhos são olhos d’águas. É desse olhar que se gesta a sua sensibilidade, a sua delicadeza e as suas poesias. Ela é meu exemplo de que é possível sublimar a dor em amor.

Marília Nascimento é a organicidade em vida e luta. Com ela tudo brota. Faz nascer. Germinar sementes de girassóis. É a representação fidedigna, nesta terra, do ventre de mamãe Oxum. Suas águas correm até os solos mais inférteis. Ela é cura. Ela é colo. Ela é casa. Ela é sagrada. Ela não anda só. Sempre arrebanha corações e trincheiras de r-existências. Minha irmã de axé e de outras vidas!

Natália Farias, um território de afetos. A sua geografia afetiva é atlântica. Uma cisne negro que dança com a vida e com os desejos. Que se “inventa e reinventa da terra, das raízes, dos prazeres” – feito sua potente poesia “Meu e Delas” (2020). É a professora do ensinar a transgredir. A cômica no caos. A poeta dos bastidores. A companheira das suas companheiras. Ela é feita de água salgada. É mar. A-mar. Amar-te-ei!

Thais Pereira é motriz. É a mãe das mães. A amiga das amigas. Conselheira das conselheiras. É doula. É mãe preta! É o café das tardes. A companhia dos risos frouxos. É a mulher das cirandas, das rodas feministas. Por isso que seu nome é composto, pois sua vida se define no/pelo coletivo. Thais é luz!

Rosana Frutuoso é a mulher do Norte. É a sonhadora em vida por outra vida. Uma militante aguerrida, disciplinada e muito vaidosa. É a mulher do ponto final. Do sem arrodeio, sem mediação. É a mulher da ação, da revolução, da transgressão. É a mulher do fim do mundo!

Vanessa Souza é o aquilombamento. É a mãezona. É a do sorriso que acolhe, que dá colo, que aconchega. É o meu espelho de intelectual negra. Ela se traduz persistência, cuidado e gestação. Vanessa é geradora, doula. É uma Doutora negra. A sua escrevivência me faz gestar palavras e sonhos.

Todas essas manas, irmãs, amigas e amoras são parte do meu quilombo. Trazem partituras da minha construção diária do “ser” mulher negra. Todas elas são intelectuais negras, potentes e fazem das suas vidas instrumentos de desconstrução colonial e reconstrução de um bem viver possível.

São vozes-mulheres vitoriosas, que apesar do destino que lhes impuseram, souberam escrever seu próprio nome com nome próprio. Com cada uma delas eu me ergui, me levantei e sigo, lado a lado, de mãos dadas, acreditando que a liberdade é uma luta constante.

25 de julho é um dia de celebração. É nosso dia, nossa história, nossa r-existências!

 

Referência Bibliográfica

BRITO, Letícia. Senhoras, senhores e outros gêneros. In: MEL, Duarte (org.). Querem nos calar: poemas para serem lidos em voz alta. São Paulo: Planeta do Brasil, 2019.

Compartilhe...