– Toc Toc.

– Quem é?

– Você sabe quem é.

– Ah não, me deixa em paz, sério!

– Desculpa, não posso. Me deixa entrar.

– Você tá sendo inconveniente. Eu quero ficar sozinha!

– Eu preciso entrar urgentemente, eu preciso de você e você precisa de mim.

E mais uma vez ele entra. Senta na mesa com uma xícara esperando o café terminar de passar. Uma, duas, três doses de café e já se sabe que essa noite vai longe. Assim como aquele familiar inconveniente que não se toca, ele vai ficando, mesmo que você mostre com caras e bocas o quanto está incomodada com aquela presença. Ele não liga. Ele não vai embora e continua te perseguindo pela casa aonde quer que você vá.

E antes fosse só isso, ele não pára quieto. Eu não consigo relaxar e pensar em nada que ele sai falando por cima, dando fim a minha paz e ao meu precioso silêncio. Ele tem que sempre instaurar medo, trazer a tona antigos anseios, novas preocupações, enfim, por mais que não haja motivos, ele inventa um para me atormentar e ocupar a minha mente.

Não tô falando que não é legal ter uma companhia, mas sabe aquele ditado “antes só do que mal acompanhado”? Com ele é exatamente assim. Mas a diferença é que eu não tenho escolha. Eu não escolhi isso e se pudesse escolher, já teria mandado ele para bem longe. E por mais que eu não quisesse abrir a porta, ele sempre acaba entrando.

Quando eu acho que ele se acalmou, ele me acorda com um pensamento besta. Por mais que eu tenha noção que seja tolo, eu acabo entrando na noia dele e fico acordada o resto da madrugada. Eu até tento pensar racionalmente e sei que algumas coisas não fazem o menor sentido, mas sei lá, às vezes ele me perturba tanto que acabo acreditando e questionando coisas óbvias, sabe?

“Não veste isso, não pega aquilo, não faz isso, não fala aquilo. Você não tem amor por você, pelo seus amigos e pela sua família? Então, faça isso agora.”

É. Parece que eu preciso me testar a todo instante para me provar. Se não, algo ruim pode acontecer. Se não, algo bom não vai acontecer. Se não, vou ficar me sentindo culpada. Mas eu já sou culpada. Mesmo que não seja, eu sempre sou, ele me fala que sim e eu acredito.

Pois é, o primeiro relacionamento abusivo que eu senti, foi dele. Do meu próprio pensamento. Vindo de mim mesma. Quem diria… euzinha fazendo um mal absurdo para quem eu mais amo: eu mesma!

A primeira vez que ele veio me perturbar foi no ensino médio. Eu lembro até hoje que comi um bolo formigueiro inteiro em uma tarde por tamanha a ansiedade que senti. Lembro também que não consegui dormir enquanto não pudesse ouvir o barulho de uma moto, mas como a rua da frente era bem vazia, fui dormir lá pelas três horas da manhã.

Quando a gente não consegue controlar o incontrolável, a gente cria essas artimanhas junto com nosso próprio pensamento para fingir ter controle de alguma coisa. Mas a verdade é que continuamos sem poder de prever, sem mudar o que passou ou que há por vir.

Os pensamentos nunca eram positivos. Eram sempre para me colocar pra baixo, me fazer mal e acabar com meu psicológico. Mas se o pensamento é meu, por quê eu não o controlo? Eu também tenho essa dúvida. Eu queria dar um fim nisso, mas não consigo.

E que agonia que é você não controlar algo seu. Fico imaginando como deve ser difícil para uma pessoa idosa que sempre foi independente ir perdendo o controle de alguns movimentos e precisar depender cada vez mais de alguém.

Bom, hoje ele continua me atormentando, mas eu tento não dar muita bola para ele. Ele não entrou de um dia para a noite, não será do nada que irá me deixar também. Mas agora tentamos ter uma relação mais saudável. Eu consigo dizer “não” para muitas das imposições do meus próprio pensamento e quando ele bate na minha porta, agora, as coisas são mais tranquilas.

– Toc toc

– Já sei, você de novo, né? Entra logo que eu já tô fazendo o café.

– Menina, tenho tanta coisa para falar…

– Aham, tô escutando, vai falando enquanto eu termino minhas coisas aqui

 

Regina Flávia de Arruda. Cuiabana de registro, brasiliense de coração. É graduada em Jornalismo com especialização em Jornalismo Digital, mas foi no marketing e nas redes sociais que viu caminho pra explorar tudo que ama: conteúdo, internet e conexão com pessoas. Acredita em uma comunicação com alma e afeto. É tagarela, curiosa e adora se arriscar vez ou outra na cozinha. Idealizadora do Instagram @xo.borocoxo.
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