Lírios, terra árida, mandacaru, serpente.
Coração no colo. Lágrimas nos olhos. Pente.
Espinhos danosos. Semblante resplandecente.
Firmeza no olhar. Joia rara de se ter.
Quantas cores compõe a sua vida?
Quantas das suas antecederam a sua dor?
Todas elas estão contigo.
Versos rimados para traduzir o que uma colagem é capaz de insurgir diante da fase do recolhimento. Do deixar cair a pele e escrever a dor para não ser em vão
Recolher-se é colher as partes que formam a sua torre de autoconhecimento. É a identificação da dor da outra como sendo a sua. E a sua sendo a dela. É crescer por dentro e junto com elas.
É enxergar as mulheres que estão ao seu redor e peneirar as que, de fato, estão trançando o seu caminho. Ornamentando o seu sagrado por sentir nele um espaço de (auto)cuidado e de cura.
A percepção de que não ando só é senão o resultado do encontro ancestral. É o portal que te leva às suas raízes na mesma simbiose que te encaminha ao cruzamento com outras mulheres que também fitam o mesmo percurso de encruzilhada.
Não basta saber dessa existência. É preciso cultivar. Cuidar. Trançar. Amarrar os laços de respeito, reciprocidade e cuidado para que os ataques externos não nos derrubem. Afinal, se uma cair, todas cairão. Se a outra se reerguer, todas irão permanecer erguidas.
Usar da palavra como alicerce da reconstrução da sua vida é tomar para si a linguagem e fazer dela seu terreno de germinações. Produzir. Criar. Recomeçar.
Os imperativos para essa retomada são o estado de reconciliação com a sua jornada. Se apaziguar com as suas raízes. Reconhecer as que estão ao seu lado. E perceber a vitalidade nas relações de irmandade que são construídas ao longo do seu processo de cura e reconhecimento de si.
O espelho não é mais o inimigo de si, e que te faz se comparar com a outra. Ele torna-se o que ele é: reflexo. A identificação da sua trajetória através do reflexo das que correm junto contigo.
Não se trata de relações subordinadas. Mas sim de bordados. Costura. Coletividade sem negar a sua individualidade. É flor do cacto. O veneno enquanto o antídoto. A crítica que constrói e gera movimento.
Reconhecer que se cresce por dentro e através da outra vai muito além de relações fixas e superficiais. Exige-se empenho, cuidado e amorosidade. Se doar pelos olhos da identificação. Se permitir ser acolhida pelo merecimento do que tu és.
Palavras, imagens e traços daquilo que uma colagem foi possível traduzir. Tradução esta que só ocorreu porque houve reflexo – espelho – cordão. Ligação que só uma mulher negra para com outra mulher negra é capaz de sentir, transmutar e criar. Nosso elo se chama reencontro ancestral.
Dedico esse texto as mulheres diásporas que fazem parte dos meus ritos de passagem.