*Artigo originalmente publicado no Girlhood Studies e traduzido por Nicole Frobe.

 

Voluptuosa, olhos acentuados. É assim que Nicki Minaj, sensação do hip hop, posa para a capa do seu primeiro álbum, Pink Friday, lançado em 2010 [1]. De peruca cor-de-rosa extra brilhante, batom pink e botas de plataforma igualmente reluzentes e cor-de-rosa, além de um vestido cintilante, com corsete e tule, a cantora senta-se apoiada em si mesma, posando para a câmera. No cenário cor-de-rosa tom chiclete, Minaj está rodeada por uma abundância exagerada de pistas visuais apontando para uma feminilidade sexy e adolescente. Para acentuar o espetáculo exagerado, a fotografia foi alterada digitalmente. As pernas de Minaj foram alongadas de forma caricatural, seus braços completamente apagados. O resultado é uma imagem arquetípica de excesso feminino. A nova princesa do hip hop encara seus fãs como uma representação hiperfeminina e hiperreal de uma boneca Barbie negra desmembrada [2].

Promovendo sua gravadora, a Young Money Entertainment, Minaj expande a sua imagem de boneca com seu nome e persona-paródia, estendendo-a para além de ensaios fotográficos e capas de álbuns. “Harajuku Barbie”, explica Minaj (2009a), combina o seu apreço pela cultura de rua de Tokio e sua atitude “espírito-livre, curtição, lacradora” [3] com o status icônico da boneca Barbie. Essas influências manifestam-se nas aparições públicas da artista em sua persona, que ela incrementa com perucas multi-coloridas, batom cor-de-rosa, um guarda-roupa bonitinho e vozes afetadas. Em muitas fotos publicitárias, Minaj exibe um colar cintilante com a palavra “Barbie” escrita na sua forma cursiva comum. Ela explica a motivação por trás da cooptação da aparência do fenômeno cultural alegando que “todas as garotas são Barbies. Todas nós queremos brincar de nos vestir” e “ser ícones e milionárias” [4](2009a).

Este artigo fará uma análise da persona pública de Minaj com referência especial às suas apropriações lúdicas. O que se segue é uma investigação das formas com as quais Minaj representa uma forma específica de hiperfeminilidade à la Barbie no mundo do hip hop e na cultura popular e das celebridades. Ao examinar as bases raciais, econômicas e históricas da boneca Barbie, juntamente com a sua performance feita por Minaj, este artigo também procura determinar se essas apropriações limitam as narrativas preocupantemente hegemônicas que cercam a boneca de plástico, ou se essa performance deixa espaço para interpretações feministas, plurais e libertadoras.

 

Onde estão as minhas vadias? Contextualizando a fama de Nicki Minaj

 

A presença de Nicki Minaj no hip hop, como Harajuku Barbie ou não, é uma exceção. Rappers mulheres estiveram envolvidas com o movimento desde o seu início, sem alcançar, no entanto, o mesmo nível de sucesso comercial dos seus colegas homens. Alyx Vesey, blogger do Bitch Media, aponta para o sufocamento das mulheres na indústria. Ela ressalta que as contemporâneas de Minaj “como Lil Mama, Estelle, Ke$ha e Kid Sister têm algum reconhecimento, mas nada comparável ao nível estrondoso de Jay-Z, Kanye West, T.I. e Lil Wayne” (2010: par. 9). E argumenta que mulheres que já foram estrelas do hip hop não vendem mais discos: “Mulheres rappers mais velhas tornaram-se ou culturamente menos relevantes, como Missy Elliott, ou investiram em uma variedade de oportunidades criativas e comerciais fora do hip hop, como fez Queen Latifah.” Quando artistas mulheres conseguem, de fato, reconhecimento amplo, sua “data de validade nos holofotes não passa de dois anos” (par. 1), detalha Latoya Peterson (2010) para o site Jezebel. Em um ambiente adverso como esse, não causa estranhamento que, quando Pink Friday atingiu a categoria platina em 2011, ele havia sido precedido por um jejum de oito anos para as mulheres na indústria. (Lil’ Kim alcançara o resultado em 2003 com o seu álbum La Bella Mafia). A conquista de Minaj foi rebatida com questionamentos a respeito do seu talento e autenticidade [5]. No entanto, a resposta da rapper ao seu triunfo foi manter a exuberância da sua persona Harajuku Barbie. Diante da notícia de que as vendas de Pink Friday haviam ultrapassado My Dark Beautiful Twisted Fantasy, de Kanye West, ela exclamou “Girl Power! Desta vez eu mereço” (Goddessjaz 2011: par. 3).

Em The Hip Hop Wars (2008), Tricia Rose, crítica cultural e pesquisadora de temas afro-americanos, discute as questões complexas que rappers mulheres enfrentam no hip hop. Ela afirma que na indústria, “o sexismo é visível, vulgar, agressivo e popular” (114). Como resultado disso, artistas mulheres são marginalizadas, e rappers mulheres bem-sucedidas normalmente seguem um roteiro específico. Rose (2008) desenvolve o argumento, insistindo que “[A]quelas que sobrevivem às demandas comerciais apostaram no produto reservado especialmente às mulheres negras: excesso sexual” (124). Muito embora o papel encenado pela Barbie de Minaj aluda ao excesso sexual descrito por Rose, na última década tem-se visto alguns outros caminhos para as mulheres no hip hop que também asseguram níveis parecidos de estrelato. Nesse sentido, Minaj tem demonstrado frustração e ambivalência pela forma com que sua persona é às vezes recebida pelo público. Em uma reportagem da revista Out, Caryn Ganz (2010) escreve que Minaj decidiu “afastar caras pervertidos que a perseguiam online tocando para suas fãs do sexo feminino”. Ao invés de desdobrar-se para uma audiência masculina, Minaj explica que “eu comecei a focar em dizer coisas que empoderariam mulheres, como ‘Onde estão minhas vadias?’ para que elas saibam que ‘eu estou aqui para vocês’”, diz (1).

Minaj parece estar ocupando diversos papéis estabelecidos na tradição do hip hop das mulheres. Cheryl Keyes, especialista em etno-musicologia, explica (2004) que “quatro categorias distintas de mulheres rappers emergem na performance do rap.” Ela define as categorias como “Rainha Mãe”, “Fly Girl”, “Mina com Atitude” e “Lésbica” (306). Embora Minaj pareça estar à vontade desempenhando o papel de “Rainha Mãe”, no qual rappers “se veem como ícones ligados à África”, ela também se apropria dos demais três. “Fly Girls” são rappers que se vestem “com roupas, jóias e maquiagens chiques, bem como penteados estilosos” (309), mas muitas incorporam mais de um arquétipo simultaneamente. Keyes descreve a importância da Fly Girl como algo “relevante, já que ela evidencia aspectos do corpo negro que não são considerados atraentes pelos padrões de beleza americanos” (310). Tais performances podem ser entendidas como uma “’mudança de script’ (desconstrução da ideologia dominante) por trazer roupas que acentuam” partes da anatomia “consideradas marcas de beleza nas mulheres negras pela cultura negra” (310). Os adornos adotados por Minaj, que lembram “roupas, jóias e maquiagens chiques, bem como penteados estilosos” (309) da Barbie – e a própria anatomia hegemonicamente definida da boneca – fornecem aos fãs uma ambivalência interessante na qual a Fly Girl é contrastada com a boneca modelo.

 

Identificar a performance de Minaj com aquela de uma Fly Girl é indicar apenas uma fração da sua persona. Keyes descreve a “Mina com Atitude” como a próxima categoria, na qual as mulheres rappers “valorizam atitude como uma forma de empoderamento”. Para expandir essa atitude, muitas “minas reinvidicaram a palavra bitch” (vadia) como forma de “subverter o domínio patriarcal” (312). Minaj incorporou os extremos tanto na atitude quanto no vocabulário da “mina” sem hesitar muito. No entanto, ela segue a deixa de uma mudança, apontada por Keyes, que deixou de lado a politização. No fim da década de 90, Keyes explica que a categoria “mina” foi “expandida com as rappers Lil’ Kim e Foxy Brown, que amalgamaram atitudes “fly” e “hardcore” em letras eróticas e vídeos” (313). Essas novidades foram frequentemente associadas a equipes majoritariamente masculinas, e comumente acusadas de “usar erroneamente sexo e feminismo e desvalorizar o homem negro” (313), críticas que também foram feitas a Minaj.

Minaj demonstra uma confiança com seu corpo e uma estética criativa que a conecta à Fly Girl. Suas letras, afirmando que ela tem a “xana mais gorda da indústria” (2008), indicam uma linha provocadora afinada com a “mina com atitude”. No entanto, Minaj estabelece um relacionamento muito mais complexo com o último arquétipo de Keyes, o “Lésbico”. Para Keyes, essa figura é assumida tanto em suas letras quanto em público: Minaj parece transitar nesta categoria a seu bel-prazer. A rapper ainda não se identificou publicamente como lésbica, mas a sua identidade sexual também não é evidente. Em “Go Hard” ela diz “I only stop for pedestrians or a real, real bad lesbian” (eu só paro para pedestres ou para uma lésbica do caralho) (2009b). Muitas outras letras recheadas de posturas idênticas sugerem que as suas conquistas sexuais (fictícias?) são frequentemente mulheres [6].

O que salta aos olhos em três dos quatro arquétipos de mulheres no hip hop por entre os quais transita Minaj é que todos eles evidenciam a importância da sexualidade. Muito embora tais categorias sugiram, de fato, empoderamento, Rose (2008) discute os desafios de se oferecer uma leitura feminista:

Nem todo material sexualmente explícito envolvendo mulheres negras é feminista, anti-patriarcal ou empoderador. Aliás, as mulheres que têm sido elevadas ao patamar de rappers mainstream nos últimos dez anos geralmente seguem o roteiro mais amplo de termos hipersexualizados e objetificadores reservados para mulheres negras no gênero musical. Rappers de alta visibilidade como Lil’ Kim, Trina e Foxy Brown fazem uso do obrigatório trunfo sexual da mulher negra no hip hop; suas histórias de “poder sexual” advêm do uso de sua sexualidade como base para sua imagem (123-124).

Rose (2008) finaliza alertando que embora uma ênfase no sexualmente explícito possa ser libertador, há também o risco de se alinhar ao “mainstream” e à ideia racista “de que mulheres negras são uma classe de mulheres sexualmente excessivas e desviadas” (115). Levando em conta esse contexto, a criação da persona Harajuku Barbie, a performance pública de Nicki Minaj e a confluência das duas podem ser vistas como pertencendo a um roteiro comumente repetido. Apesar da proclamação de “Girl Power”, seu prazer desinibido em se fantasiar e a presença, em suas letras, de questões relativas ao feminismo e políticas Queer e pós-modernas, seriam estas artimanhas materialistas para acentuar uma hipersexualidade que, por sua vez, objetiva prender a atenção de uma audiência maior? A performance de Minaj é uma tentativa de criação de um sex appeal desenhado para seduzir seus fãs a comprarem mais discos?

 

O artigo da Out dedicado a Minaj traz algumas hipóteses para o seu apelo popular. Comparando Minaj a Lady Gaga, Ganz (2010) reflete que esta última tinha a seu favor “uma audiência pronta para aceitá-la como uma variante sexualmente aventureira e não-conformista de artistas como Madonna e David Bowie”. Em contraste a isso, ela argumenta que “no hip hop, Nicki Minaj é realmente uma anomalia espacial”. E continua: “O rap nunca viu uma estrela em ascensão no mainstream tão excêntrica e tão corajosa, e mesmo com as escolhas artísticas curiosas de Minaj (perucas de dois tons, sotaques britânicos espontâneos, alusões a Harry Potter), ela é incrivelmente popular” (2010). Minaj é frequentemente comparada à Lady Gaga. Ambas são figuras escandalosas, expansivas, que alteraram concepções tradicionais de feminilidade e sexualidade até que os conceitos se tornassem quase irreconhecíveis. Seus fãs as adoram por isso, e os críticos procuram tratá-las por plagiadoras, insistindo que Gaga simplesmente reproduz os estilos criativos de Madonna e David Bowie, enquanto Minaj é uma réplica de Lil’ Kim [7].

Dada a sua predileção por excesso material, chega a ser uma surpresa que Lady Gaga e Nicki Minaj divirjam no que diz respeito à Barbie. Todas as vezes em que uma boneca Barbie foi atirada no palco durante a turnê “Gaga’s the Monster Ball”, a artista não hesitou em decapitá-la. Ao remover sua cabeça – geralmente com os dentes – Gaga expressou seu desdém pelo brinquedo, informando aos seus fãs devotos – para seu deleite –, que a Barbie perpetua um ideal feminino impossível. Embora o ato e a mensagem que o acompanha exerçam um tipo de rebelião feminista, a encenação de Gaga também poderia ser interpretada, talvez, como uma atitude colonizadora de uma feminista branca. Gaga deve estar ciente da influência da boneca Barbie de Minaj em seus fãs. Esses fãs, ou “Barbies/Barbz”, como eles se chamam, costumam ser garotas ou mulheres negras que se identificam com a marca de feminilidade menosprezada por Gaga. Por esse ângulo, o espetáculo macabro também pode ser contextualizado como um ato de violência. Em sua tentativa de ir de encontro a certas narrativas de conformidade de gênero, Gaga aliena simultaneamente os fãs de Minaj – e seu público em geral – por meio da decapitação da boneca de plástico.

Não resta dúvida que os fãs de Minaj receberam a Harajuku Barbie com entusiasmo, e não parece que Lady Gaga os desencorajará. Com o apoio de Minaj, seguidores fiéis têm brandido alegremente a alcunha “Barbie”, inspirados pela artista a interpretar esse estilo e atitude de formas novas e inventivas. Nessa linha, um Movimento Barbie organizado por fãs tem ganhado força. Com ele, comunidades online documentam tanto a persona-boneca de Minaj como aquelas de seus fãs. Blogs criados por fãs apresentam discussões sobre beleza e moda, e fornecem dicas para alcançar a estética Barbie, enquanto circula uma fonte infinita de imagens inspiracionais de Minaj. MyPinkFriday.com, o site oficial da rapper, também conta com fóruns nos quais os fãs podem se comunicar. Em uma corrente oferecendo suporte e amizade a pessoas que se identificam como “Barbz”, uma fã expressa seu entusiasmo por ser uma “diva” (2011). Por outro lado, outra fã (2011) lamenta ser chamada de “fake”. Além de ser uma comunidade online bastante unida, as Barbz também têm apelo comercial. Em dezembro de 2010, houve pressão para que Minaj e Mattel – a corporação por trás da Barbie – colaborassem para criar uma boneca Barbie oficial de Nicki Minaj. Em dezembro de 2011 seu desejo foi atendido com uma boneca modelada com base na capa do álbum Pink Friday.

A crítica foi rápida em denunciar o entusiasmo de Minaj e seus fãs como tentativas desorientadas de um feminismo “diluído” ou coisa pior, externando uma indagação válida na linha da análise feita por Rose. Argumentos convicentes foram defendidos quanto à rapper e sua gangue estarem a perpetuar o orientalismo e/ou contribuindo para a sexualização exagerada de mulheres no hip hop (ver Jenn 2010; Vesey 2010). Quando Minaj cantou com Mariah Carey a versão remixada da música “Up Out My Face”, ambas aparecendo como bonecas Barbie no vídeo, essa análise parece ser apurada (Vesey 2010). No entanto, Minaj articula facilmente uma explicação para sua representação, e como seus fãs optam por assimilar essa expressão. Ela declara que é um modelo para meninas (Weiner 2010) e, como Gantz (2010) detalha,

Minaj definitivamente tem muito a dizer sobre a política de ser mulher na indústria da música no século XXI. “Todo mundo sabe que eu posso sair, flertar com um cara e namorá-lo”, ela diz. “Mas eu quero fazer o que as pessoas acreditam que eu não posso, que é ter o álbum número 1 do país e ser a primeira rapper mulher a vender discos como caras hoje nessa idade.” Após ser criticada por se identificar com um dos brinquedos mais vendidos da história – e o mais desproporcional – e ser acusada de ser feita de plástico, ela encerra ligações com um “It’s Barbie, bitch!” (É Barbie, vadia!) berrado ao telefone. “É interessante que as pessoas tenham mais coisas negativas a dizer sobre eu dizendo ‘Eu sou a Barbie’ do que eu dizendo ‘Sou uma vadia má,’” ela diz, irritando-se um pouco. “Então você pode se chamar da fêmea do cachorro porque isso é legal na sua comunidade. Mas se você se chama de Barbie, isso é fake.” (2)

Minaj claramente compreende sua performance hiperfeminina da Harajuku Barbie como sendo lúdica e empoderadora. Ademais, como discorre Vesey, “pode existir algo de celebratório na apropriação de Minaj de um símbolo eminente da feminilidade branca” (Vesey 2010: par. 3).

 

 It’s Barbie, bitch! Redefinindo a Boneca

 

O relacionamento de Nicki Minaj com a marca Barbie de feminilidade e sua cooptação pela artista complica a perspectiva feminista tradicional no que diz respeito à boneca e sua ampla influência. Natasha Walter, uma jornalista e escritora feminista, evidencia essa perspectiva em seu último livro. Living Dolls (2010) oferece uma análise popular da cultura contemporânea de meninas e mulheres jovens no Ocidente. Sua preocupação transparece: “Parece que agora as bonecas escaparam das lojas e estão assumindo as vidas das garotas” (2). A preocupação de Walter é que muitas meninas e jovens querer se parecer com bonecas, e isso pode ter um efeito perigoso na sua auto-estima e imagem corporal. Mas ao invés de aderir a essa conceitualização do que significa parecer uma boneca, Minaj brinca com isso. Ao longo desse processo, em vez de simplesmente internalizar a hegemonia discutida por Walter, Minaj e o Movimento Barbie têm potencial para interrogar, subverter e redefinir os parâmetros da feminilidade branca de boneca.

Vesey (2010) pondera se “a aspiração [de imitar a Barbie do jeito Minaj] resulta de garotas negras quererem encontrar bonecas com as quais possam se identificar” (par. 4). Essa questão mostra a escassez de opções diversas da Barbie. De fato, análises da Barbie e de raça costumam sugerir que embora as bonecas Barbie venham em muitas diferentes cores, resta uma Barbie, a Barbie icônica. Após Mary Rogers, autora da crítica Barbie Culture (1999), debruçar-se sobre a teórica feminista e Queer Erica Rand, ela conclui que diferentes mídias e textos visuais que contêm representações da Barbie “encerram a mensagem não de que qualquer garota pode ser como a Barbie, mas que qualquer garota pode ser como a amiga da Barbie” (56). Independentemente de a Mattel produzir bonecas negras que carregam o nome Barbie, nas propagandas e narrativas visuais a verdadeira Barbie é sempre branca – com um punhado generoso de amigos. Assim, quando Rogers escreve que “a Barbie é um ícone cujo corpo ‘perfeito’ é mais acessível do que nunca,” (122) o que está implícito aqui é que o seu corpo é acessível para mulheres jovens, brancas e abastadas. Levando isso em conta, o que acontece se garotas e mulheres negras decidirem, elas também, apropriar-se de atributos da boneca Barbie?

No caso de Minaj e da Harajuku Barbie, há um inevitável retrocesso cultural. Um exemplo, que vale a pena ser explorado aqui, envolve a it-girl da internet – e fenômeno branco do pop/rap – Kreayshawn (2011). Em sua música “Gucci, Gucci”, produzida por ela mesma, ela diz “Bitch, you ain’t no Barbie” (Vadia, você não é uma Barbie), acusando Minaj e seus fãs de falhar na conquista de uma perfeição de boneca. Ao ser indagada a justificar esta fala para o site Complex.com, Kreayshawn alegou que:

Honestamente, cara, isso não é um desrespeito a [Minaj] porque ela tem talento. Ela tem uma imagem. Mas quando se trata de inspirar moças, a mensagem dela é para ser uma Barbie – ser plástico, ser fake, ter cabelo loiro (Ahmed 2011: par. 3).

Kreayshawn condena Minaj por falta de autenticidade, mas ela também poderia ser acusada de adotar uma persona não-autêntica. Membro do grupo controversamente chamado White Girl Mob (Máfia das Garotas Brancas), Kreayshawn, nascida Natassia Gail Zolot, parece estar se apropriando de um nome artístico “étnico” como forma de se conectar a uma audiência de hip hop. Talvez essas acusações não sejam simplesmente ásperas, mas estejam inseridas em um contexto maior.

O territorialismo no hip hop vem de longa data. O blogger de cultura popular, Goddessjaz, explica que “’richas públicas são uma ferramenta promocional extemamente poderosa, e podem fazer ou acabar com carreiras” (2011). Kreayshawn pode ter começado uma rivalidade com Minaj, mas a verdade é que Minaj já estava envolvida em um imbróglio com Lil’ Kim. A crítica geralmente explora a fundo essa tradição, principalmente quando a disputa envolve mulheres. Goddessjaz (2011) questiona: “Mas o que significa quando as poucas mulheres da cena mainstream estão se bicando?” (par. 5). No mesmo sentido, quando raça entra no debate, ela traz outras questões consigo. Kreayshawn teria achado necessário criticar as qualidades Barbie de Minaj – ou, mais acertadamente, o que ela entende como uma falta dessas qualidades – se Minaj não fosse uma mulher negra? Os comentários de Kreayshawn existem dentro de uma tradição de disputa no hip hop, mas eles não deveriam ser lidos simplesmente como parte da indústria. Tais comentários se situam dentro de uma narrativa cultural mais ampla que insiste que garotas e mulheres negras não podem ser parecidas com a boneca Barbie. Ademais, esse discurso implica, em última instância, que assim como as bonecas Barbie negras a que são associadas, Minaj e seus fãs não são nada além do que simples imitações falsetas da loira original.

A onipresença da boneca Barbie branca original, e a suposta falta de autenticidade da boneca Barbie negra merece um exame mais detalhado. Em seu livro Girls (2002), Catherine Driscoll discorre que, apesar de sua significação clara e cognoscível, “a Barbie nunca está completa” (98). Muito embora a boneca esteja carregada de significado incutido por cinco décadas de criadores e consumidores, nela existe um certo vazio que permite uma versatilidade de interpretações. É desse espaço ambíguo que a Barbie assume a flexibilidade de ocupar fantasias, carregar inúmeras representações de identidade – muitas delas conflituosas entre si – e redefinir o significado que ela supostamente corporifica. Rand, em Barbie’s Queer Acessories (1995) argumenta que “o fato de a Mattel ter apresentado a Barbie como uma fonte de fantasia fez com que a empresa omitisse, de propósito, detalhes biográficos ou narrativas sobre a Barbie – como idade, locação geográfica, ou um casamento – o que impediria ou reduziria opções para a fantasia” (8). Assim, embora a significação da Barbie possa nunca estar completa, ela não é um simples significante sobre o qual significado pode ser escrito. É por meio da meticulosa engenharia da Mattel e sua propaganda estratégica que a narrativa da Barbie continua um enigma. Dessa forma, essa incompletude é incorporada na narrativa pela qual a boneca é conhecida.

Como a Mattel mantém certas informações específicas sobre a Barbie estrategicamente no escuro, esse ato de ocultação torna-se inseparável da própria história que é cultivada para mantê-la contemporânea – o principal objetivo da Mattel. Seu corpo, maquiagem e noção de moda refletem não apenas o ano em que ela foi produzida, mas também atuam para manter uma narrativa superficial que Rand (1995) descreve: em 1959 “a Barbie [começou] como uma boa garota”. Agora ela representa “um paradigma do feminismo e diversidade em suas formas mais amplas e cooptadas” (193). É por meio de uma combinação de atenção a detalhe e sutileza que a Barbie continua relevante para ideias cambiantes de feminilidade, permanecendo uma narrativa segura. A incompletude que Driscoll descreve é uma característica calculada que funciona tanto para reforçar como para ocultar a elasticidade da imagem da Barbie. Trata-se de uma representação singular bem formulada para a qual a Barbie sempre retorna, mesmo ressurgindo levemente rejuvenescida a cada ano que passa.

Ann duCille (1994) desenvolve essa estratégia de marketing em seu ensaio “Dyes and Dolls”. Ela argumenta que a Mattel mantém o status original da Barbie (branca, estrutura corporal dentro do padrão), o que nunca é questionado apesar do vazio (leia-se: brancura) atribuído a ela. Ademais, duCille defende que a proliferação, pela Mattel, de diversas representações da Barbie – incluindo uma plêiade de identidades raciais e étnicas – funcionam para perpetuar essas bonecas “diferentes” exatamente como alternativas. Referindo-se às bonecas especialmente racializadas pela Mattel como negras, ela argumenta que essas Barbies são simplesmente “uma versão mergulhada em tinta do arquétipo de beleza branca americana” (49). Ela explica que, “Independentemente de qual cor as bonecas recebem ou das roupas que vestem, a imagem que elas apresentam é sempre a mesma magreza mítica, as pernas longas, os cabelos incríveis, beleza atraente” (50). Rand elucida este ponto ao comentar o proesso histórico tanto da produção quanto da denominação dessas bonecas. “Em 1960, havia a Barbie ‘não-étnica’ e seus ocasionais amigos ‘étnicos’” (1995:83). Atualmente, “algumas bonecas ‘étnicas’ recebem o nome Barbie, mas a Barbie ‘não-étnica’ continua ocupando o papel principal, e apenas ela pode fazer qualquer coisa” (83-84). Rand especifica que se “puder haver apenas uma” Barbie, “ela é branca e loira”. A variedade de tons de pele criada pela Mattel “são meramente trajes temporários que a Barbie veste em algumas ocasiões e – isso é importante – que você pode comprar” (84). Assim, tanto duCille quanto Rand (1995) argumentam que muito embora a Mattel venha criando um acervo de bonecas Barbie visualmente diferentes, essa produção serve para reforçar o discurso de que só existe uma única boneca Barbie de verdade, e ela é branca.

 

 

Hoje, nem todas as Barbies étnicas são versões mergulhadas em tinta da original. Desde 1990, a Mattel tem feito moldes de cabeça e face de forma a representar a etnia de cada boneca desenhada. Mas as tentativas da companhia de caminhar progressivamente rumo à diversidade são, no mínimo, problemáticas. Designs mais recentes da companhia, como as bonecas Barbie So-In-Style lançadas no verão de 2009, fazem um novo esforço para abarcar a identidade negra: “Courtney, a boneca cheerleader, tem um nariz mais cheio e lábios mais carnudos se comparados à Barbie comum. Trichelle, a boneca ‘interessada em artes e jornalismo’, tem cabelos cacheados; Kara, que adora matemática e música, tem um tom de pele mais ‘escuro’” (Stewart 2009: par. 2). Mesmo com essas últimas versões das amigas negras da Barbie, no entanto, a Barbie branca, loira e peituda continua sendo introduzida como a boneca autêntica, verdadeira e original, sendo um exemplo da norma americana que todas as outras bonecas deveriam querer imitar.

Com a celebração do quinquagésimo ano da Barbie em 2009, festividades – de desfiles de moda a editoriais em revistas – comemoraram o impacto da boneca branca original na cultura popular. Richar Dyer, em seu livro White (1997) descreve como essas situações atuam para tornar a branqueza normal e perpetuar a hegemonia racial. Ele explica que

Enquanto raça for algo aplicado somente a povos não-brancos, enquanto pessoas brancas não são racialmente vistas ou denominadas, eles/nós funcionam como a norma humana. Outras pessoas têm raças, nós somos só pessoas… essa assunção, de que pessoas brancas são só pessoas, o que não está longe de dizer que pessoas brancas são pessoas, ao passo que outras cores são outra coisa, é endêmica à cultura branca (1-2).

 

 

Assim, quando, em uma entrevista fictícia à Forbes, a Barbie branca original proclama “Eu tenho fé em sonhar grande e inspirar garotas para que elas possam fazer o que quiserem” (Vander Broek 2009: par. 2), isso soa contraditório; as colegas étnicas da boneca Barbie estão sempre um passo atrás. A Mattel insiste na imagem da Barbie do século XXI como sendo progressiva, feminista e multicultural, mas enquanto houver uma Barbie a qual todas as outras fazem referência, essas tentativas continuarão esbarrando na questão do branco como uma não-raça e, por outro lado, sustentando o branco como a norma, como arguido por Dyer.

Em termos de produção e marketing, a Barbie encontra-se em uma posição um tanto estranha: a Mattel mantém para si informação biográfica para encorajar fantasia, mas ao mesmo tempo produz uma abundância de diversas representações fantasiosas. Essas representações são dúbias, já que não podem ser entendidas como representações de identidade. Trata-se, antes, de uma estratégia para vender raça e etnia como acessórios do original – mesmo que esses traços representem características de cada identidade. Ademais, enquanto a Mattel continua a produzir bonecas étnicas paralelamente à Barbie original, branca, novas questões sobre autenticidade racial surgem, como duCille (1994) reflete:

A noção de que lábios volumosos, narizes mais largos, quadris mais largos e nádegas mais levantadas tornem, de alguma forma, as bonecas Shani mais afro-americanas traz muitas questões difíceis sobre a autenticidade, verdade e categorias problemáticas do real e do simbólico, do típico e do estereotípico. O que exatamente estamos dizendo quando clamamos que uma boneca parece ou não parece “negra”? (56).

Em “Eating the Other”, Bell Hooks (1992) aborda o assunto do comércio da diversidade e sua relação com a autenticidade. Ela argumenta que, embora o marketing contemporâneo possa ser promovido com uma “intenção pós-moderna” (22) que pareça celebrar a diversidade e diferença, essa “mercantilização do Outro” (21) revela a nostalgia por uma autenticidade racial. Ela insiste que quando representações de identidades étnicas são introduzidas no mercado, acontece um “ressurgimento de um nacionalismo cultural essencialista [no qual] o Outro reconhecido precisa assumir formas reconhecidas” (26). De acordo com Hooks, essas formas geralmente assumem um contorno no primitivo. Com isso, bonecas como as Barbies Shani descritas por duCille exemplificam o que a Mattel acredita que bonecas negras são – completadas com roupas estampadas africanas – e limitam corpos negros na cultura de massa à tradição.

Tanto duCille quanto Hooks questionam a ideia de que identidade é algo fixo, insistindo que representações de raça e etnia não podem residir em algo essencialmente autêntico. Embora a performance-Barbie de Nicki Minaj comece a se alinhar a essa análise, tentivas da Mattel de apresentar uma precisão racial autêntica não leva em consideração as definições fluidas de identidade na cultura. Pelo contrário, há a tentativa de manter um momento cultural único e específico nessas identidades. A abordagem da Mattel impede a possibilidade de fluidez da diferença, e como argumenta Hooks, “a diferença é comumente fabricada no interesse do controle social e também como inovação da mercadoria” (25). Ela continua:

A mercantilização da diferença promove um paradigma de consumo em que qualquer que seja a diferença vivida pelo Outro, ela é erradicada via troca por um canibalismo do consumidor que não apenas desloca o Outro do seu lugar de origem como também lhe nega a significação da sua própria história por meio de um processo de descontextualização (31).

Como isso se aplica à Barbie, a Mattel viu-se diante de um dilema: em seus esforços para fazer a boneca mais diversa, acessível e, portanto, mais comercializável, ela também tornou-se mais presa a estereótipos e representações estáticas. Estas, por sua vez, atuam para aumentar e reforçar negativamente a diferença em um único sentido, ao passo em que a descontextualiza em outro. Assim, os esforços da Mattel para transformar a boneca em um corpo étnico pode estar fazendo múltiplos desserviços às crianças para as quais ela constitui um objeto de brincadeira e fantasia. Certamente a sensação de duCille de que “o tipo corporal da Barbie constrói a noção de que os corpos de outras mulheres são anormais” (1994:64) não é pouco ortodoxa, mas isso, somado a questões de raça e etnicidade levanta outras questões: a Mattel pode representar identidade étnica e racial fisicamente em suas bonecas? E, se não, o que significa a Barbie branca ser bem-sucedida na corporificação de um certo significante vazio que prolifera a noção do branco como invisível e, portanto, como norma?

Essas questões persistem dentro de um contexto ocidental e cada vez mais alcançam uma cultura consumista global em franco crescimento. Conforme a popularidade da Barbie continua a se mover para fora do Ocidente, sua influência subsequente estendeu-se para a cultura popular global. Susie Orbach, tratando do consumismo, argumenta sucintamente em seu famoso livro Bodies (2009) que “O globalismo traz uniformidade à cultura visual” (88). Aqui, ela fala do medo que uma feminilidade branca idealizada possa ter um efeito universalizante em identidades globais. A noção da influência da Barbie, no entanto, não deveria ser simplesmente entendida como universalizante. Como explica Driscoll (2002),

Pode ser útil argumentar que a Barbie impõe modelos indesejáveis de feminilidade às garotas, mas trata-se também do discurso público dominante às garotas que gostam de brincar com a Barbie. Não é radical sugerir que entusiastas da Barbie são cooptados ou burros, ou ver a Barbie como um padrão ideológico, porque essas críticas à cultura das meninas são apropriadas para colocar meninas na posição de consumidores ingênuos e definitivamente maleáveis. (98)

Embora seja válido criticar a produção e a propaganda da Barbie, seria um erro assumir que os consumidores estão limitados a interações com as bonecas Barbie com base simplesmente na aparência ou nas fantasias incompletas dos fabricantes da Mattel. Quando Lady Gaga (2011) prega à sua audiência, e quando Kreayshawn insiste que Minaj está perpetuando uma mensagem de que “todas” as garotas deveriam “ter cabelo loiro” (Ahmed 2011: par. 3) como a Barbie, elas estão reiterando as consequências universalizantes de uma única fantasia da Barbie.

 

A hora de brincar não acabou: as possibilidades da Harajuku Barbie

 

Significativo é o fato de que a Harajuku Barbie, embora seja a persona mais proeminente de Nicki Minaj, não ser a única. Ela transita entre diversas outras, incluindo “Roman”, “Rosa” e “Martha”. Cada uma dessas personalidades se materializa em entrevistas, ou quando Minaj está cantando/rimando, e podem ser detectadas enquanto ela muda seu sotaque ou sua linguagem corporal para acomodar a personagem. O que também é digno de nota é que a biografia de Minaj é, no mínimo, inconsistente. Enquanto as suas músicas possam sugerir hipersexualidade e bicuriosidade, Minaj insiste em entrevistas que ela não namora mulheres nem homens (Ganz, 2010). Também há diversas discrepâncias quanto à sua idade e infância. E mesmo o seu nome de registro é Maraj, não Minaj. Há tantas provas para apoiar a alegação de Kreayshawn de que Minaj é uma farsa, que ao invés de ser uma acusação, é simplesmente uma afirmação do óbvio. Levando isso em consideração, assim como Vesey (2010), eu também estou “inclinada a interpretar essa escolha estilística como uma indicação de uma natureza fragmentada de identidades femininas” (par. 11).

Ao invés de tentar revelar uma espécie de identidade feminina real e autêntica, a auto-interpretação múltipla e fragmentada de Minaj via Harajuku Barbie oferece um insight a um entendimento alternativo. A grife de feminilidade-boneca-Barbie utilizada por Minaj tanto imita quanto parodia a boneca icônica, indo além de uma simples identificação. Suas personas sexuais, performances cômicas e folia hiperbólica podem ser situadas em um quadro de feminismo pós-estrutural e pós-moderno, analisados por duCille (1992) e Hooks (1994) anteriormente. Nesta tradição, a ideia de uma identidade feminina autêntica e coesa é questionada. Essa lógica é repetida no feminismo francês do século XX, no qual Simone de Beauvoir (1997) afirma que “Não se nasce mulher, torna-se mulher” (295). Tais ideias a respeito da natureza fluida da feminilidade identificam-se com filósofas feministas contemporâneas, como Judith Butler. Butler (1999), em sua influente pesquisa, insiste que gênero é uma referência, ou uma “imitação sem uma origem” (175). Essas análises, embora sobreponham-se umas às outras, estenderam o debate feminista por sugerir que não existe uma feminilidade essencial. É através dessa lente que uma análise crítica do que é falso e o que é real em termos de feminilidade-Boneca-Barbie pode assumir uma forma.

Em seu livro Yes Means Yes, Kath Albury (2002) é claramente influenciada por Butler quando desenvolve suas próprias ideias sobre feminilidade em novas e interessantes direções. Em sua análise do que ela chama de “female female-impersonators” (uma atriz imitando uma mulher) ela observa o clichê de que “a mulher ocidental ideal é bonita, divertida, charmosa, sexy e loira” (86). Enquanto isso não causa exatamente surpresa, ela afirma que as “female female-impersonators” procuram “assumir o lado ‘negro’ e ‘feio’ do ideal” ao levá-lo a um patamar excessivo (86). Quando essas mulheres assumem “papeis raivosos e satíricos, … elas esfregam diante do nariz da sua audiência a farsa bagunçada que se encontra por trás do mito aceito de feminilidade ‘natural’” (86). Com isso em mente, vejo a performance de feminilidade de Minaj tanto adequada como relevante. Suas personas fragmentadas e performances de Barbie recheadas de excesso refletem uma configuração de gênero e sexualidade que revelam a sua feminilidade como sendo uma imitação satírica. Por meio de suas performances, as conexões entre feminilidade ideal e natural são reveladas como sendo construções lúdicas. As múltiplas personas de Minaj englobam uma ampla gama de qualidade e posturas, do tradicional “bonitinho” até o grotesco. Como escreve Edith Zimmerman (2010) para o blog feminista The Hairpin, “em algum momento ao longo do caminho ela claramente deixou de se importar com o fato de soar ou não ‘bonitinha’” (par. 5) e tem satisfação no que é estranho. Ao fazê-lo, Minaj expõe de forma explícita a feminilidade branca à la Barbie que ela satiriza como sendo igualmente artificial. Tomando a ideia da sátira hiper-feminina como sendo um espaço especialmente produtivo, Kim Toffoletti, em sua obra crítica Cyborgs and Barbie Dolls (2007) argumenta que a Barbie – assim como os corpos femininos que informam e são informados por ela – oferece uma interpretação texturizada da subjetividade feminina. Sua alegação é que a Barbie é um “fenômeno intermediário circulando constantemente no espaço ambivalente entre a imagem e o seu referente, entre a ilusão e o real.” Assim sendo, tanto a versão plastificada quanto as versões em carne e osso das Barbies/Barbz “questionam categorias tradicionais” (58). Dessa forma, há um envolvimento transgressivo com a subjetividade feminina que, segundo Toffoletti, permite ao sujeito ser visto como transformador. Ela argumenta que “figuras como a Barbie funcionam para encorajar entendimentos alternativos do corpo e de si próprio como transformadores, ao invés de presos a um sistema de significados previamente estabelecido.” Ela desenvolve o argumento para dizer que a Barbie, e aqueles que dela se apropriam, oferecem o “potencial para que a identidade seja mutável e fluida” (59). Toffoletti vê potencial no que o corpo de plástico da Barbie oferece às mulheres reais ao questionar a própria noção do que vale como real.

Argumentos contra a feminilidade-Barbie de Minaj, especialmente vindos daqueles que questionam sua autenticidade, reforçam um paradigma essencialista. O que se esconde por trás disso é o argumento de que a feminilidade é estática, e deve seguir regras específicas e estabelecidas. Tais articulações insistem na existência de um estado natural e “mais verdadeiro” de feminilidade. Minaj desafia essa convenção com a sua persona Harajuku Barbie, oferecendo uma interpretação pós-moderna principalmente da feminilidade branca. A performance de Minaj deleita-se na fragmentação e hipérbole da cultura pós-moderna, como pode ser visto por meio dos sues membros esticados e quebrados na capa do disco Pink Friday. Por meio da sátira, ela está abordando a tarefa séria de oferecer uma conceitualização crítica dos excessos que são inerentes à uma cultura do hip hop baseada no consumidor e na celebridade, ao passo que garante simultaneamente uma alternativa lúdica às representações estáticas de bonecas negras da Barbie imaginadas pela Mattel. Enquanto a boneca Barbie tradicional assume um modelo de aspiração para uma parcela específica da população ocidental, Minaj subverte o padrão. A boneca Barbie é fragmentada pela performance de Minaj em uma infinidade de comportamentos e possibilidades em constante mudança. Nesse sentido, o que é falso e plástico em Minaj, e o que é falso e plástico na Barbie, tornam-se os seus maiores atributos.

Jennifer Dawn Whitney

[1] A capa artística do album pode ser acessada no site oficial de Minaj: <www.mypinkfriday.com> (acesso em 10 de janeiro de 2012).

[2] Minaj, que nasceu em Trinidad, tem ascendência racial mista e costuma se identificar como negra em entrevistas e letras de música. Na mídia, ela é repetidamente rotulada de “Barbie negra”.

[3] Na marca dos 0.53 segundos do seu vídeo “Nicki Minaj Explains ‘Harajuku Barbie’” (Nicki Minaj explica a Harajuku Barbie), a relação de Minaj com o lado Barbie da sua persona Harajuku Barbie é evidenciado de forma mais clara com fontes visuais e textuais. É esse o foco aqui. No entanto, para além do objetivo deste artigo, uma investigação mais detalhada da identificação de Minaj e a assimilação da cultura de rua Harajuku merece maior atenção.

[4] Na marca dos 1.10 minutos do vídeo: “Nicki Minaj Explains ‘Harajuku Barbie’”.

[5] Análises aprofundadas quanto à questão da autenticidade no hip hop podem ser encontradas em “Part Two, ‘No Time For Fake Niggas’: Hip Hop Culture and the Authenticity Debates” in That’s the Joint!

[6] É problemática, no entanto, a alusão dos seus versos ao estereótipo heterossexista “no homo” (sem gays) (Ganz 2010).

[7] Em 2000, Lil’ Kim publicou o vídeo de sua música “How Many Licks?” (Quantas Lambidas?), no qual ela interpreta o papel de uma boneca viva montada em uma fábrica. Em julho de 2011, ela posou como uma Barbie “real” para um ensaio fotográfico promocional. Considerando que a Harajuku Barbie parece ter sido criada na mesma linha de montagem que a persona do vídeo de Kim, as comparações são frequentes. Devido a isso, criou-se uma rivalidade entre as duas rappers.

[8] Exemplos de sites de seguidores incluem: <http://bee-leed-dat-bitch.tumblr.com/>, <http://www.facebook.com/nickiminaj>, <http://fuckyeahharajukubarbie.tumblr.com/>, <http:// hellyeahnickiminaj.tumblr.com/> e <http://nickiminajbarbies.com/> (acesso em 10 de janeiro de 2012).

[9] N.T.: “bitch” em inglês é também a palavra para cadela.

[10] Uma imagem das bonecas “So-In-Style” está disponível em: <http://www.barbie.com/ activities/friends/soinstyle/> (acesso em 10 de janeiro de 2012).

Referências

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