(dedico esse texto a Felippe Fifa e Rebeca Menezes por terem sido minha ambiência de cura)

Dediquei-me a viver as estações em apenas três semanas. Nascer, morrer e renascer foram os meus tempos verbais no infinitivo pessoal.

Primeira estação do meu tempo: nascimento. O sair após cinco meses em total confinamento e isolamento social foi como um parto. Processual. Esperado. Gestado e planejado.

Medo, insegurança, expectativas e paranoias foram nascendo na medida em que vivia o meu inverno. Não houve sol nos primeiros cinco dias de saída – chegada – espera. As noites foram mais longas. Amenizadas com rosé, merlot, puro malte e escalda pé de camomila com essência de capim limão. Me aqueci com o som retrô de uma vitrola. Adormecia sempre na companhia dos versos de Thiago de Mello.

O inverno do meu tempo parecia ser outono. Folhas caíam no mesmo compasso em que rabiscava ilusões e fantasias de um monólogo amoroso. Roteirizei um futuro ilusório, vazio e ausente. Por alguns dias jejuei em auto protesto contra o amor romântico. Repudiei a reprodução romantizada da qual fui ensinada sobre o sentir o amor. Fiz um pacto comigo mesma de que daria um fim a essa hereditariedade autodestrutiva do amor romântico.

Esse basta. Esse crer em mim. E o dizer não a ideia de que amor só é bom se doer, me impulsionaram as depurações. Aos enfrentamentos. O cara a cara comigo e as minhas sombras. Foi aí que percebi que era preciso mergulhar nas minhas próprias águas.

Segunda estação do meu tempo: morte. Jamais imaginei que seria no encontro das águas – no mergulhar das águas doces e salgadas – que iria brotar fogo. A chama necessária para fazer queimar todos os bilhetes não entregues, não correspondidos e não amados que trago em meu corpo negro e varginal.

Todas as minhas dores de amores não foram somente minhas. São da minha mãe. Foi da minha avó. Era da minha bisavó. Todas nós herdamos os desamores do amor romântico. Ancestralidade também traz marcas subjetivas e inseparáveis.

Usar gravetos para atear fogo no passado doloroso demonstra que é preciso ter gás. Impulsionamento. Ter pessoas amigas ao seu lado para soprar ventos de boas novas enquanto as brasas se tornam cinzas. Amar o rito do sepultamento é um bom sinal da prática do desapego. O deixar ir é tão necessário quanto o próprio desejo de cura.

Terceira estação do meu tempo: recomeçar pelo renascimento. Poderia definir como sendo a primavera. O desabrochar. Queria que uma flor tivesse o nome de víbora. Tenho aprendido com as cobras que elas também são flores da primavera. Elas também viveram o meu tempo. Sabem se rastejar, se esquivar e se esconder. Ora mergulham; oram se atrepam em ambientes que não eram o dela. São julgadas, ameaçadas, feridas e até capturadas.

Mas o que mais me atraiu nelas, a ponto de definir em traços no meu corpo negro a ressignificação do meu tempo, foi a sua capacidade de trocar de pele. Descamar. Deixar cair toda camada que não lhe serve mais. Se permitir renascer em outra pele mesmo sendo a mesma víbora.

Perceber que nenhum sentimento vivido se estraga, e que pode até te ajudar na travessia das emoções. Ressignificar os processos, requer um exercício de olhar o avesso das situações. Buscar o equilíbrio nas culpas e frustrações das experiências vividas. E recomeçar a partir do momento em que você apazigua suas dores ancestrais.

Todas essas lições foram tiradas da própria natureza a partir da minha natureza. Autoconhecimento é também povoamento de lugares, estações e répteis que estão em nós, mas que, até então, nunca nos disseram da sua presença, dos seus ensinamentos e suas fontes de inspiração. Natureza é cura!

 

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