Setembro é o mês da chegada da primavera, mas também é de prevenção do suicídio, da visibilidade bissexual e do debate sobre a legalização do aborto. São tantas datas e assuntos que alguns ficam meio de lado. Setembro também é o mês de conscientização de Alopecia Areata. Não sabe o que é isso? Nunca ouviu falar? Vem aqui que a gente explica tudinho!

Alopecia Areata é uma doença imunológica que ataca os folículos pilosos. Traduzindo: é uma doença caracterizada pela perda de cabelos ou pêlos repentinos em áreas arredondadas do couro cabeludo ou outras partes do corpo. Em casos mais graves, pode haver perda total de todos os pelos do corpo, inclusive cílios.

Hoje sabe-se que é uma deficiência autoimune, na qual o sistema imunológico ataca e destrói o tecido corporal sadio por engano. É mais comum no couro cabeludo, mas também pode ocorrer em áreas como barba, sobrancelhas, braços e pernas. Apesar dos estudos, as causas ainda são desconhecidas. É um problema comum em cerca de 1 a 2% da população brasileira.

Pensando em conscientizar pessoas sobre essa doença, resolvemos conversar com uma mina que lida todos os dias com isso. Entrevistamos Lolla Angelucci, articuladora da Atados, idealizadora dos projetos Feminicidade e Sereias Carecas. Vem conhecer um pouco mais da história dessa mulher incrível!

NMK: Quando você descobriu a Alopecia e como foi sua reação a esse diagnóstico?

Lolla: Bom, eu tenho Alopecia desde que eu nasci. Daí sempre foi uma coisa que meacontecia, eu tinha mais ou menos falhas no cabelo, mas sempre tive falhas. A vida toda deu para esconder até o início da fase adulta, que eu também sempre soube que ia piorar quando eu chegasse nessa fase. Acho que não dá para falar muito sobre receber o diagnóstico porque eu sempre tive Alopecia.

NMK: O que mudou na sua vida depois do diagnóstico e avanço da doença?

Lolla: Ah, durante a infância e adolescência tive muito a questão do cabelo preso, do cabelo curto para dar menos trabalho. A minha mãe andava com o meu atestado médico na bolsa para mostrar para as pessoas que o que eu tinha não era contagioso. E eu também tinha essa de não mudar de cabeleireiro para não ter que explicar coisas novas para ninguém.

Na época que eu entrei na faculdade, com cabelos compridos até o ombro, a queda começou a se acentuar. Fiquei com uma falha muito grande perto da testa e outra enorme perto da nuca. Fiquei um tempo usando faixa no cabelo até que não deu mais para esconder e comprei minha primeira peruca. Daí, tudo muda, você tá de peruca e vai no clube mas não entra na piscina. Essa minha (peruca) ficava horrível com umidade, então eu ia para uma balada e no final da noite ela estava toda desarrumada.

Você começa a fazer escolhas que combinem com o seu cabelo. Sem contar que era super desconfortável, então também queria voltar logo para casa e tirar a peruca. De tão desconfortável eu resolvi raspar a cabeça e usar lenços. Daí a vida ficou mais fácil, dava para ir para a praia, entrar na piscina, etc. De usar lenços para não usar nada foi um pulo. Voltei para as perucas muitas vezes e ainda volto, porque eu gosto de usar como acessório, principalmente nos dias mais frios. Mas como todo mundo tá acostumado a me ver sem cabelo, sempre rola um “ah, mas eu prefiro sem cabelo”.  É, sempre tem uma patrulha.

NMK: Como foi o apoio da família e amigos?

Lolla:  Durante muito tempo eu achei que a minha mãe e irmã não me apoiavam. Elas estavam sempre querendo que eu usasse peruca. A minha mãe estava sempre atrás do próximo tratamento mesmo que fosse doloroso, caro e invasivo. Eu achava muito que elas não me aceitavam, num momento em que tudo o que eu queria era ser aceita. Demorei tempo demais a entender que tudo o que elas não queriam era que as pessoas me apontassem na rua como acontece. Eu também não quero que ninguém me aponte na rua, mas quero ensinar as pessoas a não apontarem.

O resto da família, durante a infância tinha aquele negócio que você se sente a atração do circo de aberrações, com todo mundo perguntando “e aí, o cabelo tá nascendo? Ah, tô vendo outra falha”.

Na infância, os poucos amigos que sabiam sempre usavam isso contra mim na primeira discussão. Crianças são cruéis! Na faculdade, já foi mais tranquilo, ninguém perguntava nada, mas muita gente achou que eu tava muito doente e ia contar em algum momento. Ah! E tinha um cara que achava que eu tinha uma irmã gêmea, e a diferença era que uma raspava a cabeça e a outra não. (risos)

NMK: Já soube de várias histórias muito constrangedoras que você passou por aí. Como é a reação das pessoas na rua?

Lolla: Acho que hoje, com muita gente raspando a cabeça porque sim, tá menos ruim. Mas muita gente, muita gente mesmo, acha que eu tenho câncer e quer me abraçar, me benzer, me indicar uma cura milagrosa pelo poder das ervas. Porque ninguém sabe que Alopecia também causa queda de cabelo e todo mundo conhece alguém com câncer. Não gosto de ter gente olhando para mim com pena, não. E tem gente estranha que quer passar a mão na minha cabeça e lamber. Sim, isso acontece muito mais do que eu gostaria de lembrar.

NMK: Um momento muito ruim da sua vida por causa da doença. Um momento muito bom da sua vida por causa da doença.

Lolla: Acho que um momento muito ruim foi quando eu percebi com 19 anos que o cabelo tinha caído muito e, não tinha escova ou penteado mirabolante que eu fizesse para cobrir. Foi mais tempo chorando no banheiro do que eu gostaria de me lembrar, com vergonha de sair de casa. E um momento muito bom, foi a primeira vez que eu raspei toda a cabeça e senti a água do chuveiro batendo na minha cabeça careca, foi uma maravilhosa sensação de liberdade, que eu nem sei descrever. 

NMK: Hoje, você faz projetos sociais incríveis como Atados e Sereias Carecas. O interesse por participar/criar desses projetos veio depois da doença?

Lolla: Como eu disse, não tem muito antes e depois da Alopecia porque eu sempre tive Alopecia. Faço trabalho voluntário desde a adolescência porque achei que seria um bom lugar para fazer amigos e eu estava certa! O trabalho no Atados surgiu dessa minha paixão pelo trabalho voluntário e porque eu acredito que o trabalho voluntário é muito transformador para quem faz. O Sereias Carecas já veio de eu ser careca mesmo, de ter aprendido a lidar com isso e ver tanta gente nas comunidades online brigando com o espelho todos os dias. Pensei que talvez pudesse dividir com outras mulheres como foi o meu processo de reconstrução da autoestima. E deu certo porque realmente elas queriam mesmo conversar com alguém que já tivesse vivido aquilo e pudesse dizer que tudo vai melhorar.

NMK: A gente sabe o quanto o cabelo está ligado à vaidade feminina e autoestima. O que você falaria para uma mulher que acabou de perder os cabelos por qualquer motivo (doença, acidente)?

Lolla: Eu digo que não é beleza, é autoconfiança. A gente vive numa sociedade que prega que a gente é inadequada o tempo todo, então se gostar é um ato de resistência e é difícil até para quem tá dentro do padrão. E é processo, é olhar para si com carinho todos os dias, com o carinho que você destina para as pessoas que você mais gosta. Não vou dizer que é rápido, nem que é fácil, porque não é, mas você vai sair fortalecida desse processo.

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