Quando o maquiador Luiz Cantú, 37 anos, liga a sua câmera para nossa entrevista, a beleza de seu trabalho artístico me tira da rota das perguntas pré-desenhadas. Seus olhos brilham com as cores da bandeira LGBTQIA+ trabalhadas em sombras, pálpebras delineadas, e no contorno de baixo as cores da bandeira “vidas negras importam”. O vencedor de um concurso do programa “Superbonita” do GNT, mostra sua mais nova make, enquanto explica mais sobre ela: “Se a gente consegue trazer esse filtro de consciência para nossa visão, enxergamos um mundo mais diverso e trabalhamos mais a empatia. Fiz questão de fazer a bandeira LGBTQIA+ ao redor dos meus olhos como se fosse uma lente, através da qual eu mudei completamente a visão da minha vida, conforme eu fui me entendendo e entendendo a comunidade da qual eu faço parte.” Sobre a bandeira de “vidas negras importam”, ele me relata acerca da solidão do homem gay preto, que é colocado em espaço de objetificação sexual, e em que o afeto lhe é negado. Cantú ressalta a importância da valorização da beleza do homem preto a fim romper os padrões impostos.

 

 

Maquiagem para ele é muito mais do que se embelezar: é arte, é terapia. “A maior parte do tempo, faço maquiagem em silêncio, não procuro muita coisa ao meu redor. Maquiagem não deixa de ser um mergulho dentro de si mesmo, é você olhando o seu reflexo, e entendendo cada ponto da sua pele. Não é ver o poro e ter que apagá-lo, mas ver a maquiagem como um processo de se acolher, de se refletir.”

Luiz faz parte de um momento em que o mundo da beleza está crescendo em propagandas e na criação de produtos voltados ao universo masculino. Segundo uma pesquisa publicada na Revista Forbes, o mercado internacional de cosméticos masculinos movimentou aproximadamente 57 bilhões  de dólares em 2017, e estima lucrar mais de US$ 78 bilhões em 2023. Só no Brasil, em um intervalo de 5 anos, entre 2012 e 2017, o consumo de produtos de beleza entre homens cresceu 70%, como aponta a Euromonitor. No entanto, o estigma presente na relação masculinidade e maquiagem ainda não foi rompido. Luiz conta sobre a vergonha que sentia no começo ao entrar em lojas para comprar maquiagem em que a vontade era passar despercebido. Mesmo dentre as quatro paredes de sua casa, a sensação de inibição não passava, ele guardava tudo em uma gaveta no banheiro e se maquiava ali, para logo depois das fotos tirar tudo no banho.

Luiz revela que para além de já ter lidado com os obstáculos de um homem adquirindo um kit de sombras em uma loja, o racismo é mais uma opressão que afeta suas compras. “Quando eu vou na Sephora, eu quero internacional, e é como se eu não pudesse chegar nas bancadas internacionais – na Chanel, por exemplo. Criamos barreiras de proteção ativas pra evitar passar por situações de humilhação. Quando vou ser atendido e vejo que a atendente não tá de boa vontade, mostro meu conhecimento pra mostrar que também sou público alvo daquele produto e mereço ser atendido como público alvo daquele produto.”

 

 

Foi aos 30 anos, que Luiz saiu com o rosto maquiado pela primeira vez, apenas uma sombra preta e, mesmo assim, foi com medo e cautela. Hoje, o escritório de Luiz, na casa em que reside com o marido, é lotado de maquiagens, nacionais e internacionais, expostas e bem organizadas. “Por mais que maquiagem não determine gênero, ela vai pro lado do feminino, e quando estamos com a maquiagem, ficamos mais gay. No universo gay não parecer afeminado às vezes vem como elogio. Hoje, eu digo me chama de senhora bichona, senhor bichona, o que quiser falar, recebo com orgulho, esse tipo de palavra não me ofende mais. A maquiagem me ajudou mais a acertar esses universos, botar a cara na rua e pensar ‘cada um que lide com isso’”.

No processo de se apaixonar por maquiagem, e se permitir usá-las em público, o mundo Drag teve papel fundamental: “fui me conectando com pessoas que têm a mesma paixão pela maquiagem que eu – fomos trocando sobre maquiagem, e isso começou a costurar a minha vida. E então eu comecei a criar conteúdo pra expressar isso.  (…) Criar o que realmente tá ali no meu coração naquele momento. Hoje em dia eu tenho muita liberdade disso”. Nesse ponto ele faz a importante ressalva de que por mais que ame a estética, isso não é o mesmo que ser Drag: “é mais amplo que se transformar em mulher, quando você se propõe a sair em sociedade dessa forma, você está se arriscando, é um ato político também. Amo a estética Drag, me maquio, experimento, mas não tenho essa vivência”.

 

 

Acolhido pela sua mãe, e pela família do marido Sergio Cantú, Luiz se dedica ao mundo da maquiagem. Pesquisa as marcas, os  melhores produtos para pele negra, e testa qualidades, texturas. Esse é o mundo dele. “Muitas pessoas consideram que a maquiagem é um processo de se esconder, quando eu faço uma maquiagem Drag, artística em alguém, eu sinto que estou trazendo tudo da pessoa pra fora, uma sensualidade que ela tenta esconder, uma feminilidade que encubra. Já vi pessoas se enxergando e permitindo se sentirem bonitas com a maquiagem. Às vezes gosto de tirar a maquiagem dela depois e mostrar que tudo tava ali dentro dela. Que aquela maquiagem só foi feita porque acessei lugares da própria pessoa. A maquiagem te permite enxergar o outro. E me permite enxergar quem eu sou em toda a plenitude, todas as cores que tenho dentro de mim, a beleza que tenho, os demônios internos, permite a conexão com outras pessoas, o diálogo com um universo que antes considerava que não era pra mim. Maquiagem é muito autobiográfico, conta uma história de aceitação, permissão, cores, liberdade.”

Em um país como o Brasil, em que pessoas LGBTQIA+ são assassinadas por preconceito, e no qual a maquiagem ainda está associada a conotações de gênero e sexualidade, sair com maquiagem, ou usá-la até mesmo dentro de casa, pode ser perigoso para homens cis e trans. Se você, leitor, está entrando nesse mundo da maquiagem agora, o conselho de Luiz é: “comece a se buscar, procure influenciadores que você se identifique, veja rapazes maquiados, se você não for bem atendido em uma loja, não volte lá, você merece ser bem tratado.  Se permita, não se intimide, respira fundo antes de entrar na loja e lembre que não há absolutamente nada de errado com o que você está fazendo. E se você mora numa casa com pessoas preconceituosas, se tranque no quarto e se maquie.  Onde você corre o risco de haver violência, procure locais seguros pra poder experimentar.  Temos que nos proteger também.  Qualquer coisa me chama no DM, a gente bate um papo e eu te dou dicas de loja e produtos. No final do dia, maquiagem é textura, cor, sai com água e sabão.”

 

 

Revisado por Júlia Zacour.

 

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