Eu não sei se li isso em algum lugar, ou se alguém me disse, mas essa frase ecoa com frequência na minha cabeça: homens não são incapazes, eles escolhem performar inutilidade, porque convém.

Ontem queimei os dedos da mão fazendo almoço. Uma queimadura feia, fiquei com muita dor, não podia encostar em nada. Por sorte, a mãe estava aqui e terminou o almoço. À noite, pedi pro pai do Nico esquentar a janta. Essa era a única tarefa dele. Colocar as panelas no fogão, ligar o fogo e cuidar. Eu devia ter me sentado e descansado enquanto isso, mas eu fui arrumar a mesa, pegar as saladas da geladeira, tudo isso usando só uma mão e com o Nico pendurado nas minhas pernas pedindo colo.

O alecrim dourado só tinha que esquentar a comida, e ele conseguiu queimar uma comida que já estava pronta. Eu não me conformo que ele não tenha conseguido realizar uma tarefa tão simples. Pois na maioria das noites, enquanto ele brinca com o Nico, eu faço janta, pra nós e separado por Nico (sem sal), lavo salada, guardo a louça do meio-dia, adianto coisas para o dia seguinte, tudo ao mesmo tempo. Eu não me conformo! Performance de inutilidade.

O pai do Nico lava a louça da janta. Eu devia ficar agradecida? Sem chance meu filho, tu já tá ganhando a janta pronta. Lavar a louça é menos que o mínimo né. Pois é, ele lavava toda a louça e deixava a sujeirinha no ralo. Sabe aquela sujeirinha odiosa que fica no fim da louça? Por meses, eu limpei depois de ele lavar a louça. Então eu comecei uma experiência: simplesmente não limpei mais. Fui deixando aquela porquice na pia, por dias, pra ver até onde ia. Durou quase uma semana, até que eu me irritei e falei: olha só, eu adoro que tu lava a louça, mas limpar a pia depois da louça faz parte do processo.

Eu não acredito que um homem de mais de trinta anos e que mora sozinho não saiba que tem que limpar a pia. Performance de inutilidade.
A primeira vez que ele foi na minha casa, visitar o Nico, pedi pra ele trocar a fralda:

– Eu não sei fazer
– Pois eu também não sabia e aprendi.

Eu podia ter trocado né. E aqui estaria eu, um ano depois, vendo ele performar a inutilidade de não trocar a fralda do próprio filho. Eu escolhi comprar essa briga. E por muito tempo foi irritante ver a fralda torta, mal fechada, a roupa vestida de qualquer jeito no bebê. Performance de inutilidade.
Mas briga comprada é briga brigada. Insisti e reclamei até que ele aprendeu. Foi desgastante? Foi! Mas a alternativa era ele ficar de boas e eu continuar sobrecarregada.

Quando ele começou a dar banho no Nico, o Nico chorava o banho todo. Algumas vezes eu intervi. Mas lá veio a frase: homem performa inutilidade.
Seria justo eu ser a única responsável pelo banho do nosso filho, já sendo a responsável exclusiva pela amamentação e pelo cuidado noturno, e quase todo o cuidado diário?

– Nico, quer chorar, chora com vontade, vocês vão ter que se acertar.

Hoje, a hora do banho é a hora da festa dos guris, eu nem chego perto. E já estou avisando desde agora: ensinar o guri a mijar direito no vaso vai ser tua função, vocês são machos que se entendam, e não aceito respingo e banheiro fedendo a mijo.

Tempo desses, uma amiga relatou que o filho adolescente deixa metade da batata na casca quando tem que descascar. Sei bem como é, já vi essa cena inúmeras vezes, só mudava o protagonista: meu pai, meu irmão, meus primos, ex-namorados. Ora, será que tem alguma coisa na constituição óssea ou muscular masculina que não permite que eles descasquem a batata sem desperdiçar a porra da batata? Ou todos eles escolhem não fazer direito, porque assim nós, que fomos treinadas a vida toda pra dar conta de tudo sem reclamar, vamos preferir fazer, pq dá uma afliceta do caralho ver aquele monte de batata indo fora.

E não é só com a batata, é com o tomate, com a maçã, com a salada mal lavada. Performance de inutilidade.

Certa feita, eu estava em uma casa alugada com meus pais. Eu, minha mãe e meu pai estávamos exatamente a mesma quantidade de tempo na casa. Meu pai precisava de um abridor de latas. Eu falei que tinha um na segunda gaveta da pia. Ele abriu a gaveta, fechou e disse que não havia encontrado.
Minha primeira reação foi a pensar que eu deveria levantar e ir lá achar a porra do abridor.

Então a frase ecoou: homem performa inutilidade.

– Eu não vou ir aí procurar abridor nenhum, pq se eu sou capaz de achar uma coisa numa casa que eu não moro e não conheço, tu também é!

E ele achou. Vejam só: performance de inutilidade.

Então eu atualizei a frase: homens não são incapazes, eles escolhem performar inutilidade, porque convém, e por que as mulheres permitem.

Andressa, tu tá dizendo que as mulheres são culpadas pela performance de inutilidade masculina!? Em parte, sim!

A gente acha mais fácil fazer do que se desgastar. É mais fácil fazer do que explicar 10 vezes. A gente acha que nosso jeito de fazer é melhor.

Pois eu escolhi não permitir mais.

E não estou dizendo que é fácil. Mas eu estou criando um filho homem, e vai ser desgastante pra caralho, mas se eu quero um mundo diferente. Eu tenho que fazer minha parte, e não vou aceitar performance de inutilidade dentro da minha casa!

 

Andressa Rosane Ferreira, originalmente publicado no Facebook.

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