Foto por teksomolika - www.freepik.com 

 

Após um longo período do patriarcado impondo como meta de vida o enquadramento num modelo único de relacionamento, muito já se avançou na luta pelos diversos formatos possíveis de construção da convivência amorosa. O casamento de pessoas do mesmo sexo já é reconhecido em diversos lugares, o romance entre pessoas maduras tem cada vez mais visibilidade, a diferença de idade entre as pessoas não costuma ser um obstáculo e as uniões amorosas envolvendo mais de duas pessoas já são assuntos de debates, assim como diversos outros formatos de relacionamentos que não seguem o padrão tradicional.

A luta pela aceitação de todas estas possibilidades é necessária para a construção de uma sociedade menos preconceituosa e que valorize a diversidade. Ainda assim, esse conceito de diversidade me parece limitado, pois continua considerando como objetivo de cada um a construção de um relacionamento a dois, ou a três, ou a quantas pessoas forem. A princesa dos contos de fada que buscava a realização através de um casamento com um príncipe não é tão diferente da pessoa que luta para casar com um par menos tradicional e constituir família. Ambas compartilham o ideal de que a felicidade será encontrada através de um relacionamento. São versões diferentes para a fantasia do par perfeito, ou para o ditado de que sempre há uma tampa para cada panela, um par de sapatos velhos para pés cansados. No máximo, com a valorização da autoestima, diz-se que é necessário aprender a amar a si mesmo antes de poder amar alguém. De toda forma, o sucesso continua sendo sinônimo de amar alguém e ser capaz de construir um relacionamento com essa pessoa.

Ainda que não seja mais usual usar rótulos como “solteirão” ou “ficou para titia”, as pessoas que não constroem relacionamentos não costumam ser reconhecidas como realizadas. Paira sempre, nas entrelinhas, a ideia de que essa pessoa não deu sorte, levando quase a uma vitimização, ou não soube escolher direito, o que chamam de “ter o dedo podre”. Na melhor das hipóteses, assume-se que é uma questão de tempo, que esse indivíduo ainda não “engrenou” num relacionamento, mas vai conseguir.

Já os que constroem uniões duradouras, exibem as mesmas com orgulho, como sinal de sucesso na vida pessoal, sendo considerados pelos demais como exemplos a serem seguidos, fontes de inspiração. Em épocas de redes sociais, não são poucos os relatos vitoriosos em datas de aniversários de casamento. A maioria destas narrativas exalta a superação dos momentos difíceis, a resiliência necessária para a manutenção da união e o quanto cada um precisou ceder ou se sacrificar em prol do outro. Quanto mais difícil o caminho percorrido, mais despertam admiração. Afinal, ninguém genuinamente tem o sonho de abrir mão de sua programação do fim de semana para encontrar os sogros, ou para conviver com uma família que não é a sua e provavelmente não preza pelos mesmos princípios que você. A maioria das pessoas não almeja eventualmente abrir mão de seus objetivos para que o parceiro possa aceitar um trabalho em outra localização geográfica, ou um trabalho que o deixe praticamente sem tempo para o convívio familiar. Passar mais da metade da vida sem ter nem um quarto que seja só seu também não é o ideal de felicidade de todas as pessoas. Resumindo, não se sonha com a exaltada superação dos momentos difíceis, a resiliência nem com os sacrifícios. Mas essa coletânea de pedras nos sapatos ainda é melhor do que a opção de ficar sozinho e não ter um relacionamento. Por isso, as palmas para os que conseguem seguir com foco e manter longos anos de união.

Claro que algumas interações continuam sendo importantes para os que não buscam relacionamentos. Sexo, por exemplo, é considerada uma necessidade básica. Mas os relatos de casamentos duradouros não costumam trazer garantias de satisfação sexual. Ter com quem conversar e pedir ajuda (ou ajudar, conforme a necessidade) também são demandas inerentes aos seres sociáveis que somos, mas que podem ser saciadas com boas amizades. Para alguns, o compartilhamento de cuidados e decisões na criação dos filhos é a justificativa para a necessidade de um relacionamento, mas isso não é unanimidade. A ideia do amor costuma ser associada aos casamentos, mas talvez o compartilhamento de objetivos em comum seja mais usual e crucial para a manutenção dos mesmos. Amar não necessariamente é sinônimo de ter a pessoa ao lado todos os dias até que a morte os separe, mesmo que isso demande sacrifícios e sofrimento de ambos.

De toda forma, é pouco usual quem enxerguem que alguém alcançou plenitude e realização sem ter alguém do lado para chamar de “seu”. É como se essa felicidade tão excêntrica fosse uma afronta a todos os que se sacrificam diariamente, ano após ano, em prol da manutenção de um relacionamento. O senso comum sussurra que deve estar faltando alguma coisa, que essa plenitude deve ser da boca para fora. Por isso deixo aqui o meu relato de que, contrariando o que dizem os poetas, é possível sim ser feliz sozinha.

 

Márcia do Valle é mãe, carioca, engenheira e mestra em administração de empresas. Começou a escrever para tentar harmonizar o que sentia com o mundo ao seu redor e nunca mais parou. Em 2005 publicou seu primeiro livro, o romance 180 Graus (Editora Marco Zero) e em 2020 foi lançado pela Editora Adelante seu segundo livro: onde guardo as bobagens que eu contava só para você?. Atualmente, divulga seus textos no instagram @marciadovalleescritora.
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