Assim como falar de ciberativismo, não é necessariamente falar de um novo ativismo, falar de ciberativismo feminista não é falar de uma nova onda do feminismo, e sim, destacar uma ferramenta diferenciada das demais até então existentes. Se o acesso à alfabetização foi fator determinante no distanciamento das mulheres às plataformas políticas durante a história, com a revolução da internet foi um pouco diferente, ao menos no Brasil. Na pesquisa realizada pelo Ibope Inteligência em 2015, 53% dos internautas do Brasil, são mulheres. A pesquisa não traz o recorte racial dessas mulheres, no entanto, faz um recorte geral por classe econômica, no qual a classe C configura 52% dos internautas. Outro dado relevante, é que a classe A configura 4% dos internautas, embora represente apenas 2% da população. Ao representar parte significativa dos internautas, já se espera que o feminismo surja entre os demais assuntos que navegam na internet, independente da classe dominante nessa ferramenta. Pois o feminismo mesmo ramificado de acordo com interesses e condições específicas que refletem a diversidade entre as mulheres, detém de um princípio único, que perpassa todas as demais lutas, a equidade e a luta contra o patriarcado. O fato de mulheres de classe social privilegiada terem mais acesso à internet, é um indicativo de que as pautas dedicadas ao feminismo, são predominantemente pautas de interesses dessa classe de mulheres.

Uma das características relevantes do espaço virtual para as mulheres, é a condição de anonimato que ela pode proporcionar. Quando pensamos em casos de assédio, estupro, e tantas outras violências que mulheres passam, o constrangimento público é um dos maiores medos. Assim, muitas mulheres se manifestam pelas redes sociais e internet, porque dessa maneira, não precisam se expor fisicamente. As declarações de violências sofridas, acabam por gerar uma identificação por pessoas que passaram por situações semelhantes, e que então passam a se manifestar pelos mesmos meios. Esse efeito dominó cria uma rede de mulheres que se apoiam, que mostram que aquelas violências são muito mais comuns do que se imagina, e que por final, aquelas mulheres não estão sozinhas.

Mas não foi exatamente nesse clima amistoso que as feministas ganharam notoriedade na internet. A primeira Marcha das Vadias no Brasil ocorreu em São Paulo em 2011, e foi uma das primeiras manifestações feministas organizadas pelas redes sociais. O nome é uma tradução literal do movimento originado no Canadá, e gerou bastante polêmica. Segundo os dados levantados pela Folha na época, mais de 6 mil pessoas confirmaram presença no evento do Facebook, embora a polícia militar tenha calculado a presença de 300 pessoas. A reivindicação principal abordada era o direito das mulheres sobre o próprio corpo e vestimenta, sem que por suas escolhas estejam passíveis a violência. Anos antes, em 2009 o tema já havia se tornado discussão pública quando a UNIBAN expulsou uma aluna por “vestimenta inadequada”. E no mesmo ano de 2011 uma polêmica semelhante também foi alvo de discussão, quando o apresentador Rafinha Bastos declarou em um de seus shows de stand up que todas as mulheres que ele conhecia que diziam ter sido estupradas eram feias, e que o homem que estupra essa mulher deveria receber um abraço. Ironicamente, em 2011, o Rafinha Bastos foi considerado segundo pesquisa do New York Times, a personalidade mais influente do Twitter.

As estratégias de comunicação das feministas na web têm sido muitas vezes reativas e combativas. Dentro do âmbito de militância feminista, alguns posicionamentos acabam por adotar uma postura que é vista de oprimido a opressor, estabelecendo uma vigilância constante nas redes, a fim de apontar e criticar instantaneamente qualquer conduta machista identificável.

Por outro lado, os papéis sociais atribuídos às mulheres enquanto cidadãs, são os mesmos esperados na esfera virtual, já que o virtual faz parte de um todo, e esse todo, foi formado numa estrutura patriarcal e machista. Portanto, o não comedimento em protestar, a utilização de um vocabulário controverso aos olhos dos opressores, e uma postura de não tolerância a manifestações machistas originadas seja por usuários da internet quanto pelos próprios meios de publicidade e jornalismo, ajudaram a construir uma imagem radical do feminismo como um todo. Assim, a mesma ferramenta que proporcionou uma disseminação dos ideais feministas, também disseminou em larga escala um rótulo negativo relacionado ao termo feminismo. Assim, as feministas são alvos constantes de ataques cibernéticos, que muitas vezes chegam a confundir feminismo com femismo, ou aversão e ódio à homens. Esse aspecto da internet, não se limita ao caso do feminismo, o que faz da desinformação uma das principais problemáticas atuais, atingindo não só, mas principalmente os movimentos sociais e ações de grupos identitários, como o movimento negro, quando se levanta pautas sobre racismo inverso, ou o movimento LGBT, quando surgem fake news alegando ideologia de gênero. É importante pontuar, que não se trata apenas de quem não compreende realmente o significado dos termos. As repressões articuladas no meio virtual, também partem daqueles que simplesmente discordam das causas dos movimentos.

Segundo estudo realizado pela jornalista Vera Viera na ECA-USP em 2013, a divulgação do feminismo nas redes sociais tem despertado apoio e engajamento. Já numa pesquisa mais recente, realizada em 2019 pela Datafolha, foi constatado que 48% dos homens acreditam que o feminismo traz mais benefícios que prejuízo as mulheres, enquanto 43% das mulheres acreditam nessa mesma afirmação. Nessa mesma pesquisa, 52% dos homens se declararam feministas, enquanto apenas 39% das mulheres se declaram. No entanto, quando foram feitas perguntas objetivas sobre pautas defendidas pelos movimentos feministas, relacionadas a desigualdade salarial, presença política, e trabalho doméstico, dois terços do total de entrevistados, incluindo homens e mulheres, foram a favor. Portanto, essa pesquisa ilustra o estereótipo atribuído ao feminismo como uma das principais barreiras encontradas ao tentar praticar seu ativismo seja na internet, ou nas ruas. O que não significa, que as plataformas virtuais não tenham auxiliado substancialmente o alcance de seus ideais, como mostra a primeira pesquisa.

Os veículos de comunicação independentes feministas também têm desempenhado um papel importante no empoderamento das mulheres como agentes de produção de conteúdo, e dando visibilidade a informações, notícias e obras que compõem o universo feminista. Entre eles, as páginas Think Olga, Blogueiras Feministas, Revista Azmina, Blogueiras Negras, e Não Me Khalo para citar alguns.

Atualmente, com a mudança frenética dos meios de comunicação, é importante a compreensão e domínio das plataformas digitais, para que as pautas tenham maior alcance. O espaço da web não ficará, em nenhuma hipótese, vazio. Portanto, se os movimentos, assim como o feminismo, não se apropriarem desse espaço, são eles que sairão prejudicados.

Que o poder de fala na internet, seja mais uma conquista feminista!

Camila Camargo – formada em Jornalismo pela UNIP e aluna do curso de pós-graduação em Mídia, Política e Sociedade da FESPSP.

 

Referências:

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