Estamos em casa, confinados e com um menor contato físico, mas ainda ligados sobre o que se passa lá fora, olhando pelas janelas e ouvindo aos noticiários. Muitas informações nos causam angustia, sobre morte, grupos de risco, perder quem ama, entre tantas outras penosas reflexões. A forma como cada um têm lidado com isso é particular, mas creio que expondo ou não, em maior ou menor grau, todos estamos sofrendo.

O número de horas diárias dedicadas as redes e mídias sociais aumentou significativamente durante esse período de isolamento, talvez com a intenção de ver pessoas, como também partilhar experiências. Esse aumento da conectividade fez surgir diversas ofertas sobre transformar o tempo em dinheiro, seja assistindo aulas online grátis, vídeos de exercícios em casa, “lives” sobre diversos assuntos, conteúdos sobre positividade, dietas, entre tantos.  Será que isso cabe agora?

Tudo isso parece uma grande tentativa de amenizar, ou talvez negar, o sofrimento sobre o que de fato estamos passando, algo traumático e inédito e que nos obriga a desacelerar, adiar, ficar em casa, sem saber até quando e o que pode acontecer. Talvez seja um momento em que os dias parecem iguais concretamente, mas que dentro de nós há um turbilhão de altos e baixos, os dias não têm sido fáceis, então parece que esse excesso de atividades concretas pela internet busca silenciar os nossos desconfortos. Não seria uma oportunidade para pensar melhor sobre eles?

Tenho achado ideias interessantes por aí, como a de fazer um diário durante o período de isolamento, podendo expressar sentimentos, medos e colocar em palavras o que se passa dentro de cada um. Uma ideia mais reflexiva com o intuito de olhar para dentro, diferente dos excessivos treinos em casa que são exibidos, os quais buscam cuidar do físico.

As exibições “ao vivo” são recortes da realidade, a parte bela e digna de inveja que cada um exibe de si e alguns ainda vivem literalmente de imagem, como as blogueiras. Apesar dessa noção racional, é comum se sentir mal por ver a própria realidade tão distante daquela exibida.  Quem assiste a essas exibições, principalmente de musas fitness, dificilmente sai ileso psiquicamente, facilmente alguma reflexão pejorativa surge como tipo “poxa, eu deveria estar fazendo isso” ou “nossa, tá todo mundo malhando e eu aqui”. Dia após dia isso vai nos invadindo. Já não estamos com angustias demais para lidar com essa?

O isolamento soa como um castigo, então, as pessoas têm recorrido a prazeres possíveis no momento, como a comida. A angustia nos faz buscar prazeres conhecidos e na atual situação, em que estamos tão privados de prazeres, alguns nos cabem e a comida é uma delas. Isso não é um problema, pelo contrário, cada um tenta lidar com a dor de alguma forma. Será então que seria cabível se privar de tal prazer seguindo uma dieta?

Altos e baixos são normais em nossas emoções diante de tal situação, o mesmo acontece com o nosso apetite!

Há uma busca em enxergar a quarentena como uma oportunidade de mudar de vida e fazer o que nunca fez, pelo menos é isso que sinto quando vejo as blogueiras postando mil coisas. O nosso modo de viver a vida mudou do dia pra noite, porém a lógica das mídias sociais continua funcionando como recortes de vidas hiper produtivas e felizes, não houve uma adequação ao contexto emocional e isso nos faz mal.

A saúde mental não deve, nem pode ser deixada de lado. Não é o momento de parar com terapias e muitos, em crise, devem iniciá-las mesmo que no formato online. Isso vale para medicações e tantos tratamentos.

Em momentos de crise acho que cabe a reflexão sobre a motivação para o uso de tal prazer, no caso da comida: Você tem fome de quê? O intuito deve ser de autoconhecimento, não de punição.

O comportamento de comer em excesso parece se tornar uma busca de prazer e talvez nutrientes e energia do alimento para lidar com conflitos atuais. Comer demais pode ser uma tentativa de se preencher de açúcar, afeto e doçura, lidando com os sentimentos de vazio e solidão atuais. Diante do nosso cenário atual tantas coisas têm nos faltado, como relações de proximidade, carinho, além de uma rotina, liberdade de ir e vir, somado também a medos. É um momento que exige tolerância com os outros e principalmente consigo mesmo.

Parece mais fácil o caminho de simplesmente negar a situação, pensando em conspirações, entre outras ideais de que tudo isso é uma mentira. Muitos podem se sentir sem fé, desamparados, abandonados, como se nossos cuidadores tivessem nos abandonado e ainda fossemos tão bebês e dependentes. A atualidade pede que façamos uso de nossos recursos internos, logo numa cultura em que o comprar e o ter é tão importante. Certamente, o que o isolamento do COVID-19 está nos forçando a fazer é uma introspecção de nossas vidas diárias.

Mais do que uma oportunidade de produtividade, temos que pensar no isolamento uma experiência desafiadora de aprender a estar confortável em nossa própria presença, e também de presenças que acrescentam, não que aumentam o nosso desconforto!

 

Mariana Pavani. Psicologa em Campinas-SP. Psicanalise como abordagem e dedicação eterna. Estudos sobre transtornos alimentares. Escritora nas horas vagas. Instagram: @psicanalisetododia.
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