Nos concursos de beleza, mulheres desfilam e competem pela honra de uma faixa e uma tiara, além de uma validação por sua beleza industrializada em rigorosos padrões estéticos. Apesar dos recentes esforços em fazer desses eventos mais “inclusivos”, o resultado é a aplicação de um verniz de aceitabilidade a algo que é, por si só, extremamente machista. A própria definição de ser uma competição entre mulheres para eleger quem é a mais bela deixa isso bem evidente.

Se o contexto é preocupante para mulheres adultas, o que dirá para crianças?

No último domingo (dia 22), o apresentador Silvio Santos comandou uma nova edição do Concurso Miss Infantil. O objetivo? “Vocês do auditório vão ver quem tem as pernas mais bonitas, o colo mais bonito, o rosto mais bonito, e o conjunto mais bonito”, declarou o apresentador.

Ou seja, meninas de até 10 anos estão sendo exibidas em rede nacional para terem seu corpo avaliado por umas juradas, a plateia e todos telespectadores.

Isso não é algo recente.

Os concursos de beleza infantis, segundo a fórmula atual reproduzida por Silvio Santos, tiveram inicio na década de 1960.  No ano de 1961, foi realizado o 1º “The Little Miss America”, em Nova Jersey, nos Estados Unidos e “contou com a participação de seis mil meninas que tinham entre cinco e dez anos de idade. As participantes foram julgadas por sua beleza, charme, postura e personalidades, o concurso dividiu opiniões” [1], segundo a pesquisa “Adultização da infância: bastidores de um concurso de beleza infantil”, de Mayara Leme de Araújo Pires.

Estima-se que mais de 3 mil concursos de beleza acontecem, nos quais competem mais de 100 mil crianças com menos de 12 anos. No Brasil, há 11 anos é organizado em Curitiba o “Miss Brasil Infantil” [2]. Além disso, alguns programas de TV acompanham a rotina de vários desses concursos, como é o caso do “Toddlers & Tiaras”, transmitido pelo canal TLC.

A pesquisa mencionada analisou esse programa e, junto com uma revisão bibliográfica sobre o tema, discorre sobre diversas questões, como a insistência dos pais em inscreverem os filhos nos concursos como uma forma de conseguir fama, poder, reconhecimento e projetar nas crianças o que sonharam para eles:

Infelizmente, cenas como essas são muito comuns, crianças que não brincam que passam o dia todo ensaiando para os concursos, pais alucinados, dispostos a tudo para que seus filhos ganhem os concursos, não raramente cometendo excessos deploráveis, como privar os filhos do sono e até mesmo aplicar botox para diminuir as linhas de expressão da filha de oito anos de idade, como a esteticista Kerry que admitiu em uma entrevista ao programa “Good Morning America” aplicar botox na filha Britney de oito anos de idade. [3]

Segundo Rosemberg [4], essa é uma característica de uma sociedade centrada no adulto, onde “a criança não é”, mas “ela é um vir a ser”. Assim, a criança não é vista como um ser completo em si mesmo, mas uma potencialidade e uma promessa. Portanto, é nesse potencial que o adulto aflige o ideal que ele não atingiu.

Em 2003, Heltsley e Calhoun realizaram uma pesquisa para tentar entender as motivações dos pais em expor as crianças, principalmente em trajes e shows sensuais. “Ao responderem à pesquisa, as desculpas utilizadas pelos pais foram variadas, mas sempre os isentando da responsabilidade, alguns pais apontaram a mídia como culpada por despertar em suas filhas a vontade de participar dos concursos, através da forma como eles são retratados, cheios de glamour e muito brilho. Esta alegação não é de todo falsa.”, afirma Mayara Pires. [5]

De fato, nossa sociedade é baseada numa valorização da beleza e, principalmente, de forçar mulheres à padrões de beleza rígidos e milimetricamente controlados.  Se é opressivo que esses padrões recaiam às mulheres, nas crianças ele pode ser especialmente cruel.

Os concursos de beleza promovem a adultização de crianças, aliando competitividade nesse cenário já terrível. As mensagens publicitárias tem como foco a promoção da ideia de que aquelas meninas conquistarão a vida legal e descolada das top models. Além disso, utilizam-se “também de elementos do imaginário infantil para convencer as crianças a consumirem determinado produto e ou serviço.” [6] O que mais próximo do universo das princesas do que todos os adornos necessários nos concursos, as roupas pomposas e, ao final, uma cerimônia de coroação?

“No primeiro momento, as crianças realmente ficam encantadas com o mundo glamoroso dos concursos, se veem deslumbradas com a possibilidade de terem sua beleza certificada e ainda ganhar prêmios. No entanto, ao perceberem que para ganhar é necessário muito esforço e dedicação o encanto passa e dá lugar ao desânimo, ao cansaço e muitas vezes à frustração.”, diz Pires. “Ao analisarmos superficialmente os concursos de beleza infantis, pode parecer exagero classificá-los como altamente prejudiciais à infância, à formação do sujeito e à promoção da erotização infantil, mas quando o que acontece nos bastidores é mostrado, o que vemos é um espetáculo bizarro feito por crianças que estão perdendo um precioso momento de suas vidas – a infância – com o total consentimento dos pais. O que vemos nos bastidores desses concursos são crianças sendo tratadas como produtos.” [7]

Além disso, como bem pontua a pesquisadora, quando essas crianças são inscritas em concursos com o objetivo de ganhar dinheiro, submetendo-as a uma rigorosa rotina de treinamentos, é uma forma de trabalho infantil.
“Negligenciar a vivência de uma infância saudável aos filhos é privá-los de um bom desenvolvimento, e possivelmente contribuir para a formação de adultos traumatizados e infelizes.” [8]

 

[1] PIRES, Mayara Leme de Araújo. Adultização da infância: bastidores de um concurso de beleza infantil. Campinas, SP. Pg. 16.

[2] PIRES. Pg. 19.

[3] PIRES. Pg. 23.

[4] ROSEMBERG, Fúlvia. Educação: para quem? Ciência e Cultura, n.28 (12), dezembro, p 1467 – 1470, 1976.

[5] PIRES. Pg. 24.

[6] PIRES. Pg. 30.

[7] PIRES. Pg 25.

[8] PIRES. Pg. 33.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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