Quais as responsabilidades que os influenciadores digitais devem ter na internet? E quais as nossas?

 

As redes sociais mudaram a forma como nos conectamos. Se antes as celebridades eram as distantes pessoas na TV e no cinema, agora elas podem ser qualquer “um de nós”. São os influenciadores digitais, pessoas comuns que com uma câmera e uma ideia, que conquistaram a fama no Instagram, Facebook, Youtube, TikTok, entre outras redes. É uma forma de comunicação que parece se dar muito mais verticalmente, no compartilhamento de experiências, do que verticalmente, quando somos o ponto final de uma cadeia de produção de conteúdo enquanto telespectadores de um programa, por exemplo.

Fazer seu próprio conteúdo pode dar muito certo. Segundo a pesquisa “Os Influenciadores – quem brilha na tela dos brasileiros”, realizada pelo Google em parceria com o Instituto Provokers, cinco entre as dez maiores celebridades do país são youtubers. Isso mostra o potencial de identificação que o público tem com os influenciadores digitais. E, também, como o consumo pode ser influenciado por esta nova dinâmica. “Em pesquisa de 2015, o Governo Brasileiro constatou, por exemplo, que o brasileiro passa mais tempo na internet do que em qualquer outra plataforma midiática. Já de acordo com um estudo da ODM Group, foi constatado que mais 70% dos consumidores analisados na pesquisa utilizam suas redes sociais para guiar decisões de compra.”, ressalta João Paulo Haddad Marques para o site Meio e Mensagem.

“O impacto [que os influenciadores digitais tem] é grande, mesmo eu ainda sendo pequena. Envolve muita responsabilidade em torno do que eu falo e mostro”, diz Bruna Rosa, influenciadora digital com mais de  40 mil seguidores no Instagram em entrevista para a Não Me Kahlo. Bruna utiliza as redes para dar dicas de moda, vida real, tudo com um toque de cultura geek e positividade. Ela entende sua responsabilidade nas redes e de como isso influencia a vida das pessoas: “Vai desde o vestido que alguém pode comprar influenciada por mim, até a pessoa acordar em um dia ruim consigo mesma, escutar o que eu tenho a dizer e se olhar de uma maneira melhor”.

A influenciadora digital Liv Teodoro e CEO do Clube de Blogueiras Negras diz que “Esse é um ótimo momento para discutir o quão a gente pode entrar na vida das pessoas, com coisas pequenas e com coisas grandes, mas que é uma responsabilidade assustadora e o quão pode ser ruim se as pessoas não tem noção do tamanho da responsabilidade que carregam”. Em entrevista para a Não Me Kahlo, ela relata um acontecimento pessoal que a fez perceber o tamanho da sua influência:

É uma responsabilidade muito grande e muito difícil de perceber num primeiro momento. Eu acho que por ser uma mulher preta, não muito acostumada a ser ouvida, quando eu falo e sou ouvida é uma novidade para mim. E esse também é um lugar de novidade quando a gente vai falar de influência. Isso é assustador, uma boa palavra [pra descrever isso] é assustador.

A gente vai percebendo nas pequenas coisas, nas pequenas demonstrações das pessoas, nas coisas que as pessoas falam, e a gente vai tomando conta dessa responsabilidade. Eu vou te dar um exemplo de uma coisa muito legal que aconteceu essa semana. Um pouco antes do carnaval, eu fiz uma tatuagem que está escrito “cultue a deusa que você é”. Eu enfrentei um momento muito difícil com a minha ansiedade, com o meu pânico e sair melhor disso me levou a fazer duas tatuagens. Essa, do “cultue a deusa que você é” e uma outra mais embaixo que está escrito “sustenta”. E eu falei disso nas minhas redes sociais como eu falo de tudo, eu falo da vida e falo para as pessoas que são parecidas comigo não se sentirem sozinhas. E tem uns quinze dias eu recebi uma mensagem de uma pessoa que me segue me perguntando exatamente o que estava escrito na minha tatuagem porque ela ia fazer uma igual. Aí eu respondi mas não botei muita fé, pensei “meu Deus, é uma tatuagem, uma coisa pro resto da vida, é um trem muito sério e eu sou só uma pessoa na internet”. Essa semana eu recebi a foto, a menina fez a tatuagem com a fonte parecida com a minha, no mesmo lugar que eu fiz e me agradeceu por ter inspirado ela, por ser pra ela uma inspiração de empoderamento, me agradeceu por ter deixado ela tatuar a frase que eu fiz e eu achei isso muito assustador e muito maravilhoso ao mesmo tempo. Isso mostra a capacidade que a gente tem de influenciar as pessoas.

Se na influência existe poder, o que os influenciadores digitais tem feito com ele?

Essas são questões importantes de serem pontuadas e tem causado questionamentos recentemente, principalmente diante do nosso contexto de isolamento social. Um artigo do New York Times chamou atenção ao afirmar que “a cultura da celebridade está em chamas”. Nele, a autora Amanda Hess afirma:

Entre os impactos sociais do coronavírus está o rápido desmantelamento do culto à celebridade. Os famosos são embaixadores da meritocracia; eles representam a busca americana de riqueza através de talento, charme e trabalho duro. Mas o sonho da mobilidade de classe se dissipa quando a sociedade trava, a economia pára, a contagem da morte aumenta e o futuro de todos fica congelado dentro de seu próprio apartamento lotado ou mansão palaciana. A diferença entre os dois nunca foi tão óbvia. A hashtag #guillotine2020 está em alta. Enquanto os corredores do supermercado ficam vazios, alguns sugeriram que talvez eles devessem comer os ricos. (tradução livre)

Diante de um contexto geral de privação, o luxo supérfluo dos famosos tem incomodado, talvez pela primeira vez, algumas pessoas. É o momento que nos vemos em casa, sem poder encontrar amigos e familiares, vendo pessoas sofrendo com a falta de acesso à itens de higiene básica, quando os noticiários estão constantemente nos atualizando o número de mortos da pandemia do coronavírus. A vida luxuosa de famosos, com suas bolsas Gucci, closets enormes, looks do dia que valem mais do que nosso salário de um ano inteiro, passaram de ser escapismo de uma forma de vida de gostaríamos de ter e tornaram-se um grande esfrego na cara da imensa desigualdade social do nosso país.

Se a vida dos influenciadores digitais se baseava muito mais na proximidade com o público, com o fato de serem “um de nós”, o nosso contexto recente veio também para separar o joio do trigo e nos fazer refletir sobre que tipo de conteúdo estamos consumindo nas redes e quem está fazendo esse conteúdo. De repente, uma vida baseada em lifestyle luxuoso divulgado no Story passou a ser irrelevante. Até mesmo ofensivo.

 

Tweet da @ "mulher que opina"

 

Nós estamos passando por momento em que nossos sonhos, no sentido das aspirações que criamos de mobilidade social, das aspirações com o lifestyle dos ricos e famosos, o exercício de imaginação que fazemos do que “poderia ser nossa vida se…”, tudo isso está sofrendo um choque de realidade com o que a vida é. Nós suspendemos o que poderia ser e estamos vivendo dia após dia. O hoje é a nossa urgência. E essa falta de perspectiva do distante – que é o que conteúdo das mega influencers representam  – não faz sentido quando só temos tido tempo de pensar no agora. Estamos vendo lojas fechando, shoppings parados, viagens sendo canceladas. Estamos vivendo apenas do que é necessário e percebendo, entre o que consumimos, também o que é ou não necessário.

O podcast “Beleza para quem?” trouxe uma discussão muitíssimo interessante no episódio “Moda e Beleza – como anda essa conversa com a internet?” que entrevista a Fernanda Resende, autora do “Substitua Consumo por Autoestima”. Ela diz:

Eu acredito que marcas podem levantar questões relevantes […], mas não creio que as marcas podem levantar bandeiras genuinamente humanas sem que essas bandeiras estejam conectadas com o retorno financeiro que elas precisam para ser sustentáveis. Eu acho que essa reflexão tem mais a ver com o que a gente precisa e o que a gente quer viver na nossa experiência humana, mais do que as corporações oferecem para a gente. […] Deixar a condução do que me é necessário como ser humano nas mãos de corporações me parece fora de lugar. Eu fico pensando que a gente primeiro tinha que sentar todo mundo – e agora talvez seja um bom momento para isso, já estamos todas em casa pensando na vida, repensando nosso modus operandi – talvez seja o tempo de a gente pensar: antes de ser consumidora a gente não é gente? E entre ser gente e consumidora, a gente também não seria cidadão? […] Tem coisas que a gente precisa e tem coisas que a gente quer, coisas gostosas de ter, que a gente adoraria ter, mas que são extras. E me parece que, sendo conduzidas por corporações, as nossas experiências humanas estão mais conectadas com esse extra, com o que a gente quer, e não com o que a gente precisa.

O episódio levanta questões que precisamos urgentemente nos debruçar: “a internet que a gente consome tem nos feito bem? Será que temos nos alimentado bem digitalmente? (…) Ou o sentimento é de vazio?”.

Porque estamos olhando as influenciadoras que usam coisas que nunca poderemos ter, que estão em locais que nunca fomos e provavelmente nunca iremos, com estilos de vida que a maioria de nós nunca irá ter? Nesse sentido, vale a pena refletirmos, além das peças, itens e artigos que são realmente necessários, pensarmos também nos produtos que consumidos online. Que tipo de conteúdo merece nosso like?

Levando isso em consideração, Bruna Rosa produz seu conteúdo baseado por algumas diretrizes: “Eu tenho duas grandes ‘coisas’ que eu me sinto na obrigação de fazer. Uma, é ser transparente! Se eu gosto ou não gosto [de algum produto] tem um motivo, se eu ganho algo, compro, sou paga para postar sobre. É algo que deveria ser óbvio, mas que a gente sabe que não funciona assim. E a outra coisa seria não fazer as pessoas consumirem desenfreado ou atoa. Eu quero ser uma pessoa que te dá as dicas, te mostra como usar e trago inspirações, mas você só vai adquirir algo que eu indiquei se você realmente se interessar, fazer sentido na sua vida e for usar. É a gente ser responsável com o planeta e com quem eu influencio de alguma forma” diz. É assim que a influenciadora mantém suas redes sociais sem serem desconectadas da vida das pessoas. Bruna faz um conteúdo do próprio quarto, com coisas acessíveis (inclusive, ao bolso), muitas vezes de brechó e de lojas populares e outras tantas vezes reaproveitando e reutilizando coisas que tem em casa. Isso gera identificação e não destoa do nosso modo de vida. “Eu recebi mais mensagens sobre meus conteúdos serem legais e serem algo agradável de ver nesse momento”, disse.

Grande parte da publicidade que chega até nós foge do nosso controle. Não escolhemos as propagandas que vemos na TV, não escolhemos os outdoors nas ruas, nem os anúncios que interrompem constantemente os vídeos que assistimos no YouTube. Mas podemos repensar nosso consumo, o que compramos, de quem compramos, se precisamos realmente comprar e quem merece nossa audiência nas redes. Afinal, que tipo de internet queremos construir? Ainda segundo Fernanda Resende:

“Um super caminho que a gente tem para a gente construir esses ambientes agradáveis para a gente mesma começa no trabalho. (…) Começa com a mão na massa e geralmente tem a ver com faxina. Do mesmo jeito quando a gente se sente sobrecarregada no nosso guarda-roupa, a gente se bota a fazer uma sessão de desapego, eu acho que nas nossas presenças online, no nosso fluir no ambiente digital, a gente precisa de tempos em tempos revisar o que a gente está consumindo”.

Já pegou a vassoura e a lixeira?

 

Como diz Angela Davis, a liberdade é uma luta constante. Falar sobre feminismo é necessário e eles não poderão contar com a comodidade do nosso silêncio! Precisamos falar mais e falar mais alto.

No entanto, para que nossa voz ecoe mais longe precisamos do apoio de pessoas engajadas com nossa causa e dispostas a se juntar nessa mobilização. Podemos contar com você?

Apoie a Não Me Kahlo!

 

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