Elena Ferrante é uma das autoras mais importantes e queridas da atualidade, e não é para menos. Sua visão de mundo sobre o universo feminino é complexa, honesta e cirúrgica. Depois de todo o sucesso de sua Série Napolitana, A Filha Perdida consagra essa misteriosa autora como um dos principais nomes da literatura ocidental, e até já virou filme na Netflix.

O livro narra a história de Leda, uma professora universitária italiana em torno dos seus cinquenta anos. Com suas duas filhas, Bianca e Martha, já crescidas e morando em Toronto com o pai, Leda decide passar tempos de férias no litoral sul da Itália, em uma casa alugada e sozinha. Quando sua atenção se volta a uma ruidosa e numerosa família napolitana, Leda lembra de si mesma, precisa encarar seu passado e enfrentar suas escolhas de vida.

Nina, uma jovem e bela mãe de uma menininha chamada Elena, é o ponto focal de Leda em suas férias. Nina parece ser tudo que Leda foi e também o que gostaria de ter sido. Sua relação com a filha e sua boneca faz a protagonista reviver a infância de suas filhas e o impacto que a maternidade teve em sua vida.

 

Cena do filme “A Filha Perdida”, disponível na Netflix

 

Leda não se considera boa mãe. Sua visão sobre a maternidade ora varia sob um olhar realista, onde a mulher está no centro de um sistema patriarcal que a consome, ora sob a perspectiva romântica de que mães podem ser perfeitas, basta quererem. Nina, a princípio, parece atender a essa expectativa de perfeição platônica de Leda. É uma mulher jovem, belíssima, com uma relação de amor e carinho com sua filha pequena. À medida que os dias passam, Leda começa a perceber as incertezas e desafios que Nina precisa enfrentar.

O mais interessante sobre A Filha Perdida é que a obra reflete sobre a mulher e a maternidade sob uma perspectiva ampla e contextual. Temos o retrato de mulheres em diferentes momentos de vida: Leda com as filhas crescidas, Nina com sua filha pequena, Rosaria ainda grávida, Elena apenas uma menina com a vida toda pela frente. Leda, enquanto narradora, é completamente aberta e suas falas são objetivas e honestas; teve seus momentos de alegria e amor durante a maternidade, mas igualmente teve seus momentos de frustração e dor.

O livro é envolvente pois a autora sabe trabalhar as vulnerabilidades de suas personagens e é fácil nos identificarmos com elas; toda a raiva, todas as vezes que nos vimos no papel da mulher anulada, subestimada, cansada. Toda a culpa que a mulher é obrigada a sentir quando se permite pensar em si mesma, querer um mundo só seu, uma identidade, uma carreira.

Ao mesmo tempo, A Filha Perdida é uma ode à figura da mulher. A autora transforma mulheres comuns em heroínas, mulheres viscerais, envolventes, sexuais, sentimentais. São personagens que talvez nunca estejam totalmente construídas simplesmente por serem humanas demais, e passíveis de evolução.

Não sou mãe, mas tenho experiência cuidando de entes queridos. Embora eu, pessoalmente, não me visse no papel materno descrito no livro, pude me identificar com essa gama de emoções que é o sentir-se responsável por alguém que amamos. O amor que, na mesma medida, proporciona felicidade e gera culpa e dor. Um amor que tudo suporta e que nos sustenta. Ferrante compreende o papel social da mulher enquanto provedora de cuidados, um papel que denuncia como a sociedade patriarcal depende da mulher para que suas engrenagens continuem rodando para manter as estruturas de poder.

A Filha Perdida tem, ainda, o trunfo de ser uma história envolta em mistério. Ferrante consegue equilibrar o retrato de suas personagens com uma trama condutora que nos permite refletir, questionar e até, quem sabe, tentar adivinhar. O final pode ser interpretado de forma ambígua e eu achei isso um toque de elegância literária, pois é uma provocação deliciosa ao leitor.

Acho importante ressaltar que a história é sobre pessoas brancas e europeias. Talvez esse enredo nem fosse possível se considerássemos a realidade da mulher negra, tanto latino-americana como africana, por exemplo. Ainda assim, uma leitura enriquecedora.

 

 

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