Meu nome é Lívia, tenho 33 anos, 2 filhos lindos, e sim, eu já fiz um aborto.
Você que já estudou comigo, ou estuda, você que já trabalhou comigo, você que já esteve comigo na fila do Banco, você que já bebeu comigo, dançou comigo, você que sentou do meu lado no ônibus, você que me contou alguma coisa, você que já me pediu um favor, ou já me fez um favor, você que passa minhas compras no supermercado, você meu primo ou prima, amigo, irmão, você que me vê passando assim na rua, que me conhece de vista, você que sabe quem é meu pai, conheceu a minha mãe, você que já me ajudou a carregar alguma sacola, você que já me cumprimentou na rua, você que eu conheci em alguma atividade acadêmica, ou na academia, ou na festa, ou que é amigo de algum amigo meu. Você aí que está lendo esse desabafo. Eu já fiz um aborto.
E você não pode me julgar. Você não tem a mínima ideia do que é fazer um aborto. Você não tem noção. Então não venha subir uma #hashtag estúpida de que é a favor da vida, porque é muito fácil dizer que é a favor da vida quando você jamais terá responsabilidade sobre essa vida. Não venha dizer que era só ter fechado as pernas, deixe de ser hipócrita. Ao menos que você tenha feito voto de castidade, eu sei que você não transa com intenções de somente reproduzir. Deixe de ser babaca, pois a mesma igreja que você suscita nesse debate também é contra métodos contraceptivos.
Fazer um aborto foi a decisão mais difícil que eu tive que tomar, mas eu tomei e fiz, de maneira amadora, sem suporte, sem auxílio, sem ninguém. Aterrorizada pela sombra do pecado imperdoável, apavorada com medo da reprovação alheia, devastada pelo gesto em si, mas muito ciente que não poderia tem aquele filho, não naquela hora, não naquele momento. E você, bonitão das redes sociais que se acha o dono da verdade, saiba que eu já era mãe, saiba que muitas das mulheres que abortam são casadas, então estude e lave essa boca suja e esse coração imundo antes de vir falar tanta atrocidade.
Ninguém aborta porque acha legal. Nenhuma mulher faz um aborto com a naturalidade de quem entrega na biblioteca um livro que começou a ler e depois se arrependeu. Deixem de querer achar que sabem o que é melhor ou não pras pessoas. Apenas parem. Não, vocês não sabem. Vocês não tem ideia. Aborto não é método contraceptivo e se você sair do Facebook só um pouquinho e for estudar, você vai ver que nos países onde o aborto foi descriminalizado os números de abortos até diminuíram, porque quando você começa a debater um assunto ele deixa de ser tabu e quando ele deixa de ser tabu ele pode ser visto além das questões sociais e religiosas.
Passei tanto tempo mal, ruim, triste, chorosa, perdida. Quantos de vocês que convivem comigo perceberam algo? Ou se importaram? Ou perguntaram? Não, vocês não querem saber de proteger vida nenhuma, vocês só querem achar que estão sendo muito bonzinhos em defender uma vida, deitar na cama a noite e pensar, “gente, como eu sou legal”. Não, vocês não estão sendo legais. Quantos de vocês que diziam me achar legal, inteligente, gente boa, divertida, agora me julgarão? Eu não sou uma pessoa ruim, eu era apenas uma menina desesperada em um momento difícil da minha vida e sem condições nenhuma de ser mãe novamente naquele momento. Eu era só alguém apavorada o suficiente para tomar essa decisão. Não, eu não sou um monstro, eu não sou a pior pessoa do mundo e você não vai me convencer disso.
Ao invés de buscar jogar na cadeia quem já abortou, procure pensar como você pode contribuir para que isso não aconteça com você, com a sua irmã, com a sua prima, com a sua vizinha, com a sua colega, com a sua amiga, com a sua mãe. Preste atenção nas pessoas e deixe de ser estúpido. Você não é melhor do que eu. Você não é melhor do que ninguém. E deixa eu só te contar um segredo, uma pá de mulheres que você conhece já abortou e elas sofrem com isso todo dia. Elas podem estar precisando de você, mas estão com medo demais pra pedir ajuda, porque vocês estão ocupados demais querendo ser Deus.
