Foto: Dafne Nass

Em 2019, o curta-metragem documental “Period. End of sentence” (2018), da indiana Rayka Zehtabchi, chamou a atenção do mundo ao vencer o Oscar da categoria. O filme, de 25 minutos, apresenta uma comunidade na Índia que nunca teve contato com absorventes íntimos, e revela como a menstruação impede o acesso de meninas e mulheres à educação e ao trabalho. Os estigmas e tabus ainda hoje associados ao ciclo menstrual são também disparadores da primeira edição do Festival MenstruAÇÂO que, a partir do dia 6 de março de 2021, aprofunda a discussão do tema.  A iniciativa é uma realização do Instituto Consuelo Pinheiro, em parceria com a atriz e performer Allegra Ceccarelli e a artista visual Dafne Nass.

Já ouviu falar em free bleeding? Conhece o ritual de “plantar a lua”? Sabe o que é mandala lunar? Ao longo de cinco dias, divididos em dois fins de semanas consecutivos e se estendendo até a segunda-feira do Dia Internacional da Mulher (dias 6, 7, 8 + 13 e 14 de março de 2021), o festival concebido integralmente para o formato on-line pretende ampliar o repertório de um público bastante diverso acerca do assunto.

O programa abordará questões que vão da primeira menstruação à mulheres que não menstruam (mulheres trans, na menopausa ou que retiraram seus úteros), passando pela ginecologia natural e discorrendo sobre a influência do ciclo lunar nos corpos que menstruam. Discussões contemporâneas, como a disforia de gênero e homens que menstruam, também estarão em pauta. Cabem ainda, sob uma perspectiva mais sustentável, reflexões em torno do impacto ambiental da menstruação: que medidas de redução de resíduos podem e devem ser adotadas hoje?

Idealizado pela atriz e performer Allegra Ceccarelli e pela artista visual Dafne Nass, ambas cariocas, o projeto encontra na arte seu principal agente de transformação social. Com transmissão via Zoom, Youtube e Instagram, a programação gratuita de conteúdo artístico, inclusivo e informativo prevê palestras, manifestações artísticas diversas, rodas de bate-papo, vivências, debates e uma galeria virtual de artes visuais. O festival inclui também espetáculos de dança e música, exibição de filmes, videoarte e cenas performáticas. Toda a programação é composta por pessoas que vivem ou já passaram pela experiência da menstruação – são cerca de trinta ao todo – selecionadas por meio de chamada aberta.

A iniciativa é voltada a pessoas que se identificam como mulheres cis, pessoas trans (homens, mulheres e transfluides), pessoas não binárias e intersexuais, de todas as classes sociais, com vivências diversas para compartilhar. Com o objetivo de ampliar público, as realizadoras convidam também homens cis: “Nessa ode ao ciclo menstrual todos são bem-vindos”, avisam.

A pesquisa artística de Allegra gira, dentre outras temáticas, também em torno do universo do sangue menstrual. De acordo com ela, a menstruação é a forma mais pura de expressão da potência criativa: “Para culturas antigas, era considerada sagrada. Com o passar dos séculos, a serviço de um pensamento patriarcal, o sangue menstrual tornou-se impuro, repulsivo, sujo e vergonhoso. As propagandas de absorventes vendem ‘frescor e segurança’, além de fragrâncias e outros recursos que ‘neutralizam’ o cheiro e nos rendem fungos. Por que precisamos disfarçar uma reação natural e fisiológica de nossos corpos? É preciso naturalizar esse fluxo como parte importante da natureza fértil criativa”, afirma.

 “Há um preconceito em torno da temática menstrual que ainda hoje reforça a crença de que somos biológica e emocionalmente mais frágeis. Ao aprender sobre o próprio ciclo e recebê-lo com positividade, passamos a usar a nosso favor as energias de cada período. Esta consciência resulta em reconhecimento das próprias potências e acolhimento das vulnerabilidades”, analisa Dafne. “Ao longo do festival, faremos uma palestra dedicada à menstruação de mulheres e homens trans em estado de vulnerabilidade, a fim de repensarmos coletivamente soluções para o que chamamos de ‘fluxo solidário’, que consiste em providenciar o acesso a absorventes (com ênfase nos ecológicos), nas periferias e zonas rurais. É uma forma de contribuir com a dignidade destas pessoas”, conclui.

“Com alegria e orgulho recebemos a proposta de incubar o Festival MenstruAÇÃO. O Instituto Consuelo Pinheiro, Organização Social com meio século de história atendendo pessoas com deficiência e outros segmentos historicamente marginalizados, decorrentes de padrões e normas que persistem em excluir e controlar corpos e experiências dissidentes, luta cotidianamente por uma sociedade mais equânime em sua rica e fundamental diversidade. Nessa perspectiva, o Festival MenstruAÇÃO nos chega como um sopro de potência e inspiração em tempos tão áridos. Serão dias intensos de compartilhamento de informações, experiências, arte, cultura e principalmente afeto”, avalia Rodrigo Salgueiro, Coordenador Técnico do Instituto Consuelo Pinheiro.

O Festival MenstruAÇÃO prevê acessibilidade para deficientes auditivos e visuais, através da tradução em libras e áudio descrição de palestras, e apresentações artísticas selecionadas.

 

Sobre a gestação do festival

O Festival MenstruAÇÃO é fruto da união fértil entre duas amigas cariocas: uma vive no Rio de Janeiro e a outra, nômade, atualmente está em Bali.

Foto: Dafne Nass

Allegra Ceccarelli, 36 anos, é performer, atriz, cantora, bailarina, pesquisadora e facilitadora. Mestre em artes cênicas pela faculdade East 15 Acting School, em Londres, participou de residências artísticas em Moscou e no Shakespeare’s Globe, em Londres. Atuou em diversas peças em palcos londrinos e, em 2015, recebeu uma bolsa de estudos para treinar dança-teatro tradicional balinesa, na Universidade ISI Denpasar, na Indonésia, e, paralelamente, com os gurus Ibu Partini, Ketut Wirtawan e Made Cat, com quem segue desenvolvendo sua pesquisa. Em 2018, Allegra fundou a Baubo Cia Performática, onde produz arte-ritual feminista e desenvolve uma série de oficinas. É membro e representante oficial do Brasil e de Bali no “The Global Hive Labs”, uma rede de artistas internacionais. Atualmente leva uma vida nômade, criando arte e desenvolvendo uma série de oficinas em lugares diversos.

Dafne Nass, 30 anos, é artista visual (fotógrafa, pintora e ilustradora) e pesquisa, dentre outras temáticas, questões acerca do corpo da mulher através da criação de imagens que partem de narrativas pessoais. É formada em Design de Moda, com passagem pela Arquitetura e Urbanismo e especialização em Design de Mobiliário, pelo IED. Estudou desenho de observação, na Accademia d’Arte, e História da Arte, no Instituto Michelangelo, ambos em Florença, na Itália. Com passagens pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage entre 2019 e 2020, co-criou com o artista plástico Bernardo Magina, o Studio Travellero, ateliê de pintura mural em atividade ainda hoje. Em 2018, co-fundou o coletivo Hot Pants, que realiza eventos por e para mulheres com o objetivo de estimular o empreendedorismo e a troca de saberes femininos. No Instituto Consuelo Pinheiro, foi professora de pintura mural.

“Pesquiso questões do corpo feminino e, desde 2016, venho buscando formas mais sustentáveis e saudáveis de lidar com minha saúde ginecológica, alimentação e práticas de consumo de uma forma geral. Quando conheci a Allegra, há três anos, ganhei uma amiga inspiradora e grande confidente sobre a magia por trás do ciclo menstrual. Essa energia pulsou especialmente durante a pandemia, quando pude mergulhar na pesquisa através de livros, conteúdo on-line, práticas de rituais e muita troca. E foi justamente ansiando por uma experiência de troca mais plural que criamos o festival.” (Dafne Nass)

“Após tomar anticoncepcional por 18 anos, me percebi completamente desconectada do meu corpo. Considero que tive a “primeira” menstruação há cinco anos, aos 32. Desde então, iniciei uma pesquisa artística pelo universo do sangue menstrual, que originou a performance ‘Pegadas Lamacentas’, da Baubo Cia Performática. Troco muitas confidencias sobre o assunto, que tanto me instiga, com a Dafne. Dessa relação surgiu a vontade de ampliarmos a troca para outras ‘manas’ e gestamos o Festival MenstruAÇÃO.” (Allegra Ceccarelli)

 

Sobre o Instituto Consuelo Pinheiro:

 

Instituto Consuelo Pinheiro é uma O.S. fundada em 1969 por Malvina Silveira, mãe de três filhos com deficiência intelectual, que após uma longa busca de tratamentos de qualidade, resolveu criar com outras mães um centro especializado em recuperação neurológica que atendesse de forma mais humanizada.

A Professora Consuelo Pinheiro, homenageada com o nome da instituição, foi quem difundiu a base do tratamento na época (método Doman-Delacato).

Atualmente, uma equipe técnica multidisciplinar – com oficineiros e educadores sociais – atende desde crianças a partir de 5 anos a idosos, com deficiência intelectual ou não.

A história do ICP é composta por iniciativas de mulheres. Foi com o intuito acolhedor de ampliar a informação a esse público (que também inclui pessoas trans, não-binárias e intersexuais), e de continuar promovendo e estimulando atividades artísticas e culturais que já fazem parte da missão do Consuelo Pinheiro, que a instituição decidiu abrigar o Festival MenstruAÇÃO, ampliando sua crescente rede de apoio.

 

Realização:
Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro e Secretaria Municipal da Cultura, através da Lei Aldir Blanc.

 

Serviço:

 

Festival MenstruAÇÃO

 

Quando: 6, 7 e 8 de março | 13 e 14 de março de 2021

 

Plataformas:

Zoom (link será gerado na semana do início do festival)

Youtube: https://www.youtube.com/channel/UC27h8z0mw1Bw4usCbcCRo3w

Instagram: @festivalmenstruacao

Facebook: www.facebook.com/festivalmenstruacao

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