Atualmente se fala muito em subnotificação de casos de COVID-19, mas e a subnotificação de casos de violências contra a mulher? E as mulheres que não estão conseguindo denunciar as violências que estão submetidas? E as mulheres que estão impossibilitadas de exercer seus direitos livremente durante a pandemia? Decerto, o distanciamento social trazido pela pandemia da COVID-19 fragilizou muito a mulher em situações de violência e abuso, assim como comprometeu gravemente os registros referentes às denúncias. De outro lado, as soluções criativas de enfrentamento da violência contra a mulher durante a pandemia demonstram que o ciclo de violência contra a mulher ainda pode ser rompido, e por isso mesmo essas soluções merecem ser cada vez mais difundidas.

A bem da verdade, “a fuga da situação de violência torna-se ainda mais difícil, por conta da restrição de serviços e de movimentação na quarentena, pela possível diminuição de renda, e pela própria convivência diária e ininterrupta com o agressor[1].

No entanto, como um sopro de esperança, impende destacar as diversas formas criativas de combate da violência contra a mulher que surgiram em meio a pandemia da COVID-19 pelo mundo inteiro.

Por oportuno, impende salientar que na França “as farmácias tornaram-se num ponto de encontro. Foi criada a expressão de código ‘máscara 2019’ para as vítimas poderem pedir ajuda. Quem não conseguir sair de casa tem um serviço de SMS à disposição para o fazer discretamente[2].

Já na Itália foi lançada campanha para que as mulheres fizessem denúncias quando fossem colocar o lixo para fora ou fossem ao mercado[3].

Na Espanha, uma nova ferramenta de denúncia por mensagem com geolocalização, como o WhatsApp, foi disponibilizada no país. Com ela, as vítimas podem enviar um pedido de socorro por escrito para a polícia, que usará a geolocalização para enviar ajudar. O governo espanhol informou ainda que há um serviço de apoio psicológico pela internet para vítimas de lar[4].

No Brasil, durante a pandemia da COVID-19 foi atualizada uma robô virtual (ISA.bot) que combate à violência doméstica, e agora a “ISA.bot” poderá levar novas informações e orientações para mulheres que sofrem com o problema. Destaque-se que “a ISA.bot pode dar orientações tanto para mulheres que vivem essa situação como para pessoas que estejam ao redor delas e possam ajudar. Entre as dicas estão a importância de informar alguém de confiança sobre o que está acontecendo, para que possa contar diariamente como está. Em situações urgentes, o número da polícia (190) e a linha de apoio específica para violência doméstica (180) podem ser acionados[5].

Por falar em robôs, eles chegaram com força no Brasil para auxiliar mulheres em situação de violência, o programa Você Não Está Sozinha, do Instituto Avon, lançou durante a pandemia um robô para o WhatsApp capaz de orientar mulheres a realizarem denúncias de agressão. A ferramenta, lançada em parceria com Uber e Wieden+Kennedy, simula uma conversa comum no mensageiro para não levantar suspeitas ao agressor. Inclusive, “de acordo com os dados informados pela vítima à assistente virtual no WhatsApp, o robô pode sugerir ir ao hospital ou a uma delegacia da mulher. Nesse caso, o Uber fornece um código promocional para fazer a corrida de graça[6].

O governo federal também anunciou recentemente o lançamento de um aplicativo, o “Direitos Humanos BR”. O aplicativo é a nova plataforma digital do Disque 100 e do Ligue 180 para receber denúncias, solicitações e pedidos de informação sobre temas relacionados a direitos humanos[7].

A propósito, antes mesmo da pandemia do COVID-19 chegar ao Brasil, ressalte-se que já havia um movimento crescente de criação e lançamento de diversos aplicativos para auxiliar no combate e denúncias de violências contra a mulher[8].

Outrossim, foi amplamente compartilhado recentemente um bilhete de uma pessoa que cedeu o próprio apartamento para mulheres que sofrem com agressões e não têm para onde escapar em decorrência da pandemia. O bilhete tem sido compartilhado nas redes sociais e faz um alerta também aos possíveis agressores: “Você não vai se esconder atrás da covid-19. Estamos de olho e chamaremos a polícia (…) Se precisar de ajuda, corra para cá. Apartamento 602. Você não está sozinha. Pode gritar, pedir socorro, a gente abre a porta para você[9].

Outra iniciativa interessante é o filme “Call”, criado por F.biz e a Vetor para o Instituto Maria da Penha, em apertada síntese, o filme mostra como uma mulher que está sofrendo violência doméstica durante o isolamento social usa o momento de uma videoconferência de trabalho para pedir ajuda e conseguir escapar do agressor[10].

Além disso, durante a pandemia, coletivos feministas e organizações se uniram em campanhas espalhadas nas redes sociais com o intuito de formar um grande movimento de solidariedade. Uma das iniciativas é a #VizinhaVocêNãoEstáSozinha, da rede “Agora É Que São Elas”, com o objetivo de mostrar que a mulher não precisa se calar diante de qualquer tipo de agressão[11].

Saliente-se também que a Promotora Gabriela Manssur, do Ministério Público de São Paulo (MP-SP), criou um grupo com médicas, assistentes sociais, advogadas, todas voluntárias, para ajudar mulheres vítimas de violência doméstica. A iniciativa também fechou parceria com o aplicativo de entregas Rappi. Por lá, a ajuda pode ser acionada clicando na opção “SOS Justiceiras[12].

Ademais, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ determinou aos tribunais de todo o país que divulguem, em seus canais de comunicação, os telefones e e-mails de contato de serviços públicos para denúncia de casos de violência doméstica. Por telefone, whatsapp, e-mail ou mesmo presencialmente, é possível denunciar agressões e receber proteção do Estado, mesmo no período emergencial de saúde provocada pelo novo coronavírus. A coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica do CNJ, conselheira Maria Cristiana Ziouva, asseverou que as “Mulheres que vivem relações abusivas precisam saber que todo o Sistema de Justiça brasileiro continua trabalhando. É fundamental que as vítimas procurem os serviços de acolhimento e proteção, como delegacias, defensorias, ministério público e o Judiciário. Elas não estão desprotegidas, não estão à mercê dos seus agressores[13].

Por oportuno, como bem pontou a Professora Alice Bianchini, “ao que tudo indica, a sociedade está caminhando para um modelo de intervenção do problema da violência doméstica que não se distancia da utilização do Direito penal, mas que exige a interferência de outros setores no trato do problema. Não obstante a dificuldade, não se pode deixar de buscar todos espaços de luta, desde que compromissados com a pedagogia da igualdade, fazendo proselitismo por meio de entidades organizadas, educando nos espaços informais, mas sobretudo atuando, assumindo um comportamento que seja de quem busca a igualdade[14].

Decerto, em tempos da pandemia, a criatividade desponta como uma importante ferramenta de superação. Soluções arrojadas podem sempre auxiliar a ampliação e efetividade de medidas interventivas no contexto de violência doméstica. Esse tempo de reflexão e isolamento social não precisa ser um tempo de mesmice e inércia, as soluções que funcionavam antes, agora precisam ser reinventadas.

A propósito, Nise da Silveira bem assinalou que “a criatividade é o catalisador por excelência das aproximações de opostos. Por seu intermédio, sensações, emoções, pensamentos, são levados a reconhecerem-se entre si, a associarem-se, e mesmo tumultos internos adquirem forma[15].

Portanto, catalisar e promover iniciativas criativas pode fornecer mais ferramentas para o combate de um problema crônico mundial que acontece na maioria dos lares, a violência contra a mulher. É imprescindível valorizar e apoiar as soluções arrojadas, mesmo diante da pandemia da COVID-19, a criatividade continua despontando como uma importante ferramenta para frear o crescimento da violência doméstica. Se a violência está aumentando, se o feminicídio continua matando tanto quanto a pandemia, ainda assim temos a criatividade do nosso lado no combate à violência contra a mulher.

 

Camila Carolina Damasceno Santana, feminista, advogada, atualmente é aluna do Cours de civilisation française de La Sorbonne, em Paris, França.

 

[1] BIANQUINI, Heloisa. Combate à violência doméstica em tempos de pandemia: o papel do Direito. Disponível em < https://www.conjur.com.br/2020-abr-24/direito-pos-graduacao-combate-violencia-domestica-tempos-pandemia >. Acesso em 22.5.2020.

[2] Disponível em < https://pt.euronews.com/2020/04/15/violencia-domestica-em-tempo-de-confinamento-preocupa >. Acesso em 15.4.2020.

[3] Disponível em < http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/597436-emergencia-dentro-da-emergencia-mulheres-vitimas-de-abuso-caem-as-denuncias-presas-nao-podem-pedir-ajuda >. Acesso em 15.4.2020.

[4] Disponível em < https://www.uol.com.br/universa/noticias/redacao/2020/03/23/paises-europeus-ampliam-combate-a-violencia-domestica-em-meio-a-coronavirus.htm >. Acesso em 22.5.2020.

[5] Disoinível em < https://revistagalileu.globo.com/Tecnologia/noticia/2020/04/isabot-nova-robo-combate-violencia-contra-mulheres-no-facebook.html >. Acesso em 22.5.2020.

[6] Disponível em < https://www.techtudo.com.br/noticias/2020/04/como-denunciar-violencia-domestica-na-internet-projeto-tem-bot-no-whatsapp.ghtml >. Acesso em 22.5.2020.

[7] Disponível em < https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/abril/app-direitos-humanos-brasil-ja-esta-disponivel-para-ios>. Acesso em 22.5.2020.

[8] Disponível em < https://capricho.abril.com.br/vida-real/5-aplicativos-de-denuncia-que-ajudam-mulheres-na-luta-contra-o-feminicidio/ >. Acesso em 22.5.2020.

[9] Disponível em < https://catracalivre.com.br/cidadania/bilhete-em-elevador-oferece-ajuda-para-vitimas-de-violencia-em-quarentena/ >. Acesso em 27.4.2020.

[10] Disponível em < https://www.b9.com.br/126129/campanha-do-instituto-maria-da-penha-alerta-sobre-violencia-domestica-durante-quarentena-e-mostra-como-pedir-ajuda/ >. Acesso em 22.5.2020.

[11] Disponível em < https://www.uol.com.br/ecoa/ultimas-noticias/2020/05/08/mulheres-formam-redes-de-apoio-contra-a-violencia-domestica-na-pandemia.htm >. Acesso em 22.5.2020.

[12] Disponível em < https://revistaglamour.globo.com/Lifestyle/noticia/2020/05/rappi-lanca-botao-para-ajudar-mulheres-vitimas-de-violencia-domestica.html >. Acesso em 22.5.2020.

[13] Disponível em < https://www.cnj.jus.br/justica-reforca-divulgacao-de-canais-para-denunciar-violencia-domestica/ >. Acesso em 22.5.2020.

[14] BIANCHINI, Alice. Quais as melhores medidas para se combater a violência doméstica? Com a palavra, a sociedade. Disponível em < https://professoraalice.jusbrasil.com.br/artigos/121813981/quais-as-melhores-medidas-para-se-combater-a-violencia-domestica-com-a-palavra-a-sociedade >. Acesso em 22.5.2020.

[15] DA SILVEIRA, Nise. “Imagens do inconsciente”. Rio de Janeiro: Alhambra, 1981, p.11.

Compartilhe...