Creio que não exista uma vivalma neste país que não saiba que uma tal Jojo Todynho toda noite passa em uma certa emissora de TV. Telespectador ou não, não há quem não tenha esbarrado virtualmente em algum vídeo dela servindo frases motivacionais maravilhosas, até mesmo diretor global cheio do blasé diz que só assiste ao programa nos momentos em que ela aparece.

No começo da temporada seu jeito direto e reto assustou quem não a acompanhava nas redes sociais ou até quem acompanhava mas não tinha o contato integral que o formato do reality possibilita. Confesso que fiquei preocupada pois sei que a máquina de fazer meme, que dá a falsa impressão de exaltação e reconhecimento (para algumas pessoas), pode ser bem insensível e desumanizadora sobretudo com mulheres negras. Mas logo a galera carioca chegou em defesa dizendo “Ó é cria nossa, é nosso jeitinho” e então acostumamos e percebemos que Jojo é muito mais que uma sargentinha de um metro e meio. Quero dizer, as pessoas que se importam e insistem em lutar pela humanização das mulheres negras, já as yags brancas continuam nesse lugar de que ela só vive para servir memes.

Bom, eu não acredito que exista quem não saiba, mas aos desinformades de plantão, Jordana Gleise, mais conhecida como Jojo Maronttinni, ou carinhosamente, Toddynho, é uma funkeira cria do subúrbio carioca que aos 20/21 anos alcançou a explosão de sua carreira ao carregar o hit do carnaval 2017 “Que tiro foi esse?” alcançando reconhecimento internacional, capa da Vogue e tudo que merece. Para além das polêmicas políticas que a vimos enfiada nesses últimos anos, temos que ter em mente que Jordana é uma mulher nascida e criada na periferia, que aos 10 anos perdeu o pai para a violência urbana, foi criada pela avó sob uma ótica cristã porque a mãe trabalhava como doméstica, dormindo na casa dos patrões e voltando apenas aos finais de semana. Começou a trabalhar cedo passando por diversas ocupações, alcançando repercussão na internet através de vídeos falando sobre amor-próprio ou respondendo pessoas que usavam sua imagem para destilar ódio. Tudo contribuiu para um caráter moldado a ferro e uma sabedoria gigantesca da vida.

É uma mulher com um senso de justiça refinadíssimo, dona de uma autenticidade única que não lhe permite se perder em um programa de finalidade cem por centro exploratória. Inclusive é essa consciência de si e de sua autoestima que mais me encanta e inspira. É maravilhoso ver uma mulher preta, periférica, gorda, que enxerga todas suas qualidades e potencialidade e canta amar seu corpo do jeito que é. Quero dizer, nesse sistema que te mina o tempo inteiro, isso é poderosíssimo.

As pessoas não sabem mas há um lugar muito perverso para as mulheres pretas gordas, porque enquanto há exaltação de um ideal estético, inclusive para mulheres pretas magras. Para as outras restam o pejorativo e a repulsão.

E isso iniciou-se lá atrás, quando o branco europeu deparou-se pela primeira vez com o Outro, as pessoas negras africanas. Dando início a uma desenfreada produção de análises raciais racistas que, não apenas comparavam as etnias como categorizavam as pessoas negras a sub humanização. Daí também nasceram parâmetros estéticos dos corpos, pelas análises comparativas dos corpos negros, que eram maiores, e das mulheres negras mais arredondados e voluptuosos, em detrimento da palidez e magreza excessivas europeias, classificavam o que era belo e o que era ojerizado. Vem desses ideais racistas o incentivo da submissão em dietas e tratamentos estéticos para que mulheres brancas permaneçam magras e distantes da associação ao corpo gordo negro.

“O medo da imaginada ‘mulher negra gorda’ foi criada por ideologias raciais que tem sido usadas por quase 300 anos, tanto para degradar mulheres negras quando disciplinar mulheres brancas.”

Toda mulher retinta e gorda já foi chamada de Jojo Todynho. Eu mesma, praticamente todos os dias, era chamada independente da ocasião, na balada, no trabalho, na rua. A crueldade mora no fato de ambas as partes saberem ser algo completamente maldoso, e uma das partes contar com o silêncio. Porque a contestação dá a entender que corpos como da Jojo são indesejáveis até para seus semelhantes, e assim como de Saartjie Baartman, servem apenas para atração depreciativa. Não é a comparação que ofende, pelo menos não era para ser, o que ofende é o racismo e gordofobia.

Antes do programa, meu conhecimento sobre Jojo era pontual, apenas por memes, agora sei que ela é muito mais do que uma caricatura que a internet insiste em reproduzir. E sabe de uma coisa? Jamais me farão sentir novamente vergonha por ser comparada com ela. Se ser parecida com Jojo Todynho significa que sou madura, consciente, justa, amiga, inteligente, batalhadora, forte, insubmissa, resiliente, linda, negra e gorda. Então sou Jojo ‘pra caralho’ e para você, seu porco racista, Sra. Jojo Todynho.

“Para ser gorda, botar um biquíni encravado no cu e sair por aí, tem que ter peito e disposição.”

Obrigada Jojo.

 

Referencia:

https://medium.com/@solemgemeos/a-origem-racista-da-gordofobia-c9bb727b9ffe