Existem alguns dias que de tão marcantes lembramos do que estávamos fazendo naquela hora. Onde você estava quando Marielle foi assassinada? Eu estava em casa, no Rio de Janeiro. Era uma noite chuvosa, os planos de sair haviam sido cancelados e estava no meu quarto totalmente no escuro com apenas o computador ligado. Foi quando vi passando a notícia por alguma rede social que Marielle havia morrido. Na mesma hora achei que fosse mentira, fake news de internet. Ainda assim, abri o link e a descrição do ocorrido na reportagem era mais convincente do que uma notícia falsa conspiracionista que eu estava esperando. Na mesma hora entrei no chat do whatsapp para perguntar para minhas amigas se era real… estávamos todas em choque.

Muitas pessoas nunca haviam ouvido falar em Marielle antes da notícia de seu brutal assassinato. Uma conhecida de São Paulo era uma dessas pessoas. No dia, ela estava no Rio por motivos profissionais e na hora do assassinato estava no centro da cidade. Ela relatava que percebeu que algo muito grave havia acontecido, porque percebeu a movimentação de pessoas chorando e sendo acolhidas umas pelas outras. Era esse o clima da cidade, de tristeza profunda.  É claro, havia o horror do assassinato de uma membra do legislativo eleita. Mas não era apenas esse o choque, não era apenas porque se tratava de uma vereadora, foi porque era Marielle.

Foto Uanderson Fernandes Agencia O Globo

 

Apesar de muitas vezes vermos os políticos pela distância, a Marielle estava sempre presente. Ela era uma pessoa muito acessível, de formas grandiosas mas também de formas sutis, como o hábito de dar seu número para quem precisasse e como era chamada de “Mari” pelas pessoas, uma aproximação que vem de sua trajetória nos movimentos sociais mas que não se perdeu após ter sido eleita. Ela havia tido uma campanha belíssima e seguiu uma mandata que acendia uma esperança em meio ao cenário político lamacento do Rio de Janeiro.

Quando Marielle foi assassinada o sentimento era que essa esperança estava sendo retirada dos nossos braços à força. Será que não podíamos ter uma vitória sem que nos fosse tomado? Até quando? Quem? E porquê?

Desde o início sabíamos que tratava-se de uma execução. Marielle foi seguida por homens em um carro após participar do evento “Jovens Negras Movendo as Estruturas”, na Rua dos Inválidos, na Lapa. Uma investigação confusa e cheia de altos e baixos apontou os executores: Ronie Lessa, autor dos disparos, e Elcio Vieira de Queiroz, motorista do veículo utilizado no crime. Elcio emparelhou seu veículo ao lado do carro no qual Marielle e sua assessora estavam, que era conduzido por Anderson Gomes. Lessa atirou treze vezes. Marielle e Anderson foram assassinados a tiros dentro de um carro na Rua Joaquim Palhares, no bairro do Estácio, na Região Central do Rio, por volta das 21h30 de uma quarta-feira, dia 14 de março de 2018. A assessora de Marielle sobreviveu.

O assassinato foi seguido de diversas manifestações e mobilizações por justiça. Desde a prisão de quem matou Marielle os gritos passaram a ser: quem mandou matar Marielle?

No entanto, mil dias se passaram e porquê Marielle foi assassinada ainda não foi revelado e nem quem foi o mandante do crime.

mulher negra segura placa escrito rua marielle franco, ao fundo um grupo grande de mulheres segura uma faixa escrito "pela vida das mulheres"

Fonte da imagem: Exame

 

 

Apesar de não termos o conforto da solução para o caso, nos conforta que o luto transformou-se em luta. “Tentaram nos enterrar mas não sabiam que éramos sementes”, diz uma frase ficou popular nessa época. E Marielle semeou novas lideranças para continuar seu legado, a começar pelo Instituto Marielle Franco, criado pela sua família.

Na política institucional, mulheres próximas de Marielle foram as protagonistas das eleições de 2018 no Rio de Janeiro. Se elegeram para o legislativo estadual Renata Souza, Mônica Francisco e Dani Monteiro. Mas a força que inundou a política ultrapassou as fronteiras do Estado. Além do Rio, Andréia de Jesus se torna a primeira mulher negra da história a ocupar um cargo de deputada estadual em Minas Gerais. Em São Paulo, Érica Malunguinho se torna a primeira mulher negra e trans a ser eleita para a Assembléia Legislativa estadual e a Bancada Ativista também se elege enquanto mandato coletivo, apenas para citar alguns exemplos.

Essa força certamente foi sentida também nas eleições municipais desse ano. No Rio, tivemos Thaís Ferreira eleita para a Câmara Municipal da capital, além da própria viúva de Marielle Franco, Mônica Benício. Benny Briolly, mulher negra trans, também foi eleita vereadora em Niterói, Karen Santos foi a mulher mais votada para a Câmara Municipal de Porto Alegre (RS) e em São Paulo Érika Hilton foi a mulher mais votada e a primeira mulher negra transexual a ser eleita para a Câmara Municipal, entre muitas outras candidatas eleitas.

Infelizmente, a ocupação de espaços na política não são apenas flores. Talíria Petrone se elegeu no mesmo ano que sua amiga Marielle, mas para a Câmara dos Deputados em Brasília. Ela já havia sido alvo de diversas ameaças que se intensificaram nos últimos anos. Hoje, ela recebe proteção de uma escolta policial. Em entrevista à Ponte, ela diz que por conta das ameaças já pensou em deixar a vida pública (ela recentemente deu à luz à Moana Mayalú), mas afirma que “a vontade cessa quando eu lembro que Marielle foi executada e não há resposta”.

Parar não é uma opção, a luta é a nossa única opção. Por Marielle.