“Ele sempre usou drogas. Começou ainda menino, tentei de tudo, mas sabe como é difícil… tem os amigos, e sei lá, deve ter o capeta ajudando também…”.

Ednalva sentou na minha mesa com um plástico cheio de papeis que ela acumulava desde o primeiro dia que o filho foi preso, há quatro (anos) atrás. Ali dentro trazia carteirinha da penitenciaria, pedidos feitos pela defensoria, contato telefônico de alguns lugares pelo qual o filho tinha passado, nomes anotados de pessoas que a ajudaram ou atrapalharam, laudos médicos, desenhos e foto dos netos que criava.

“Ele pediu para parar de tomar o remédio, não gostava do caminho que fazia entre o presídio e o hospital, pensou que estava bem, mas agora deu esse problema”.

Seu filho, preso por furto qualificado, estava apresentado crises psíquicas dentro da penitenciaria, o que o rendia diversas faltas disciplinares. O número de faltas e castigos por desobediência foram tantos nos últimos meses que o Ministério Público abriu um processo administrativo para investigar o caso. O Rapaz agora estava passando por avaliação para determinar se deveria continuar na penitenciaria ou ser encaminhado para um hospital de custódia.

“Ele melhorou muito doutora… Antes dizia coisas sem sentido, me contava que conversava com os passarinhos, que ouvia vozes, que o corpo tremia. Está melhorando. Queria que ele não fosse para o hospício”

O medo da dona Ednalva não era infundado. Eu mesma já tinha lido diversos pedidos da Defensoria para evitar a transferência para esses estabelecimentos. Se o presídio não cumpre sua função ressocializadora, pode-se imaginar a situação que vive um preso dentro de um ambiente hospitalar, agravado ainda pelo fato de não existir tempo determinado para a permanência. Fica internado ate melhorar. Mas o que é estar melhor?

“Pois é Ednalva, a Defensoria esta tentando que seja feito o melhor para ele. Vamos ver como o juiz vai definir.”

As palavras inevitavelmente saíram de maneira triste, sabia que após tantos laudos, provavelmente ele seria transferido.

“Bom, não vou desanimar… Vou continuar rezando como toda a noite… Sabe, tenho feito um pedido especial ultimamente, peço para Deus que seja feita a sua vontade, mas que, além disso, que ele coloque palavras bonitas na boca dos passarinhos que conversam com meu filho, como se fossem as minhas palavras. Assim, ele melhora mais rápido.”

Mãe é sempre ninho.

 

 

*Nomes alterados para preservar a identidade dos envolvidos

 

Thalita Ferreira Dias, é advogada criminalista, feminista e luta pelo fim do encarceramento em massa no Brasil, lutando por um sistema jurídico igualitário e imparcial. Através de seu perfil @justicafundamental relata problemas vivenciados por encarcerados e seus familiares, na esperança de humanizar os processos criminais.

 

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