Tem o esquerdomacho e tem o esquerdomacho abusivo e é do segundo que quero falar.

Bem, antes de tudo, vale a pena definir quem é o esquerdomacho. O tipo esquerdomacho é descolado, criativo, usa umas roupas cool, mas também pode usar terno, gravata, sapatênis etc e tal. Tem uns assuntos quentes na ponta da língua, é articulado, se diz progressista, é completamente a favor da liberdade sexual, tem um gosto musical peculiar, conhece pessoas que você conhece (uau, que surpresa). Você vai se identificar com ele, ele vai se identificar com você. Ele vai parecer charmoso, vai te convidar para sair e vai falar sobre tudo que ele sabe, afinal, ele é bem informado e sabe das coisas, não é mesmo?

Os esquerdomachos são bem versáteis, falam sobre arte, feminismo, política, filosofia, relações não-monogâmicas, futebol, falaria facilmente sobre saúde mental, comportamento, sociedade e, pasme, moda e afins. Ele vai arriscar falar sobre as pautas sociais, defende coisas que se parecem muito com as coisas que você defende. Em qual fila do pão esse cara estava?

Até aí, tudo bem. Mas e quando o cara é tudo isso e é,  também, extremamente abusivo?

É dele que quero falar aqui, e pra encurtar “esquerdomacho abusivo” vou referencia-lo assim: ESQ.A.

Qualquer relacionamento se torna abusivo quando ultrapassa limites da liberdade do outro, como privacidade, liberdade sexual e de corpo e geram algum dano. Seja físico, emocional ou patrimonial.

Quem já teve a infeliz oportunidade de vivenciar uma relação com um ESQ.A? Se não foi você quem viveu, certamente foi uma amiga ou a amiga da sua amiga.

O ESQ.A é bem econômico – se é que posso dizer assim – no afeto, porém, excessivo em outras coisas. Veja só: ele vai te dizer coisas que você quer ouvir, mas só para você tá? Porque no meio do rolê deus-me-livre ele te abraçar ou buscar a cerveja para você no bar.

Ele vai marcar de sair com você, vai te buscar, mas quando chegar lá vai dizer como você ficaria linda naquela sua camisa cor rosa-chá e calça jeans azul, mas que a roupa que você está usando (um vestido curto, com os cabelos soltos e batom vermelho) tá bom também, mas…

Ele vai elogiar você, mas vai dar a opinião dele também, sem você pedir, mas vai. E quando você tentar contrapor, ele vai dizer que você não entendeu o que ele disse. Não é bem assim, coisa e tal.

O ESQ.A também vai pegar forte no seu braço, no dia em que você tiver tomado umas cervejinhas a mais (da perspectiva só dele), e vai te puxar para ir embora, mas claro, com um sorriso no rosto, dizendo para os amigos que vai embora para cuidar de você, porque, claro, ele se preocupa. Aham! Ele vai olhar a notificação do seu celular, ele vai perguntar quem foi o cara que você curtiu a foto. Ele vai se incomodar porque seu amigo gay beijou outro cara na festa, vai dizer que foi para chamar atenção, mas que não tem nada contra, ele até tem amigos que são.

No Twitter, o ESQ.A vai palestrar, vai defender a legalização do aborto, da maconha, da liberdade de expressão, mas no grupo do WhatsApp com os big-brother-da-facul, vai dizer que a mina foi louca quando abortou, vai sorrir dos prints com piada homofóbica e vai achar nada demais o amigo que apontou o dedo na cara da irmã quando ela estava fumando com os amigos no rolê. Irmão mais velho tem mesmo que proteger, sabe como é né?

O ESQ.A se torna igual em termos de comportamento ao hétero top abusivo quando age com esse intuito de controlar a mulher. Não existe diferença na forma, no tom de voz, no que é dito, nem na agressividade quando isso acontece.

Todo esquerdomacho é abusivo? não.

Todo hétero top é abusivo? Não.

São formas diferentes de se relacionar.

De repente o ESQ.A vai te chamar pra ouvir o álbum da Bethania na vitrola dele fumando um beck no chão da sala porque quer transar contigo. O hetero top vai te chamar pra uma sunset privada na casa do lago dele ouvindo Jorge e Mateus porque quer transar contigo. ATÉ AÍ TUDO BEM.

PORÉM, se na hora que você negar, qualquer um deles forçar a barra, qualquer um deles estará sendo abusivo.

A gente enquanto mulher progressista meio que entendeu que do hetero top dá pra esperar algo assim e fica com pé atrás. Quando rola obviamente é um horror, a gente diz “putz, desse tipo de cara rola isso mesmo”. Do esquerdomacho a gente esperava uma troca mais igualitária e menos agressiva, então quando ocorre do cara ser tuuuudo aquilo, porém abusivo, é mais impactante.

E aí que você vai se sentir culpada quando ele terminar a relação, você vai tentar buscar onde foi que você errou, porque ele é tão querido por todos, inteligente, você só pode ter feito algo mesmo.

Mas sabe de uma coisa, nada disso é sobre você garota, é que você acabou entrando sem querer, sem saber, numa relação abusiva com o pior tipo. Definitivamente, a culpa não é sua.

Nós é que ainda estamos aprendendo a nomear as diversidades de violências que sofremos diariamente. E olha, não há dúvidas: os esquerdomachos abusivos estão por aí, pode estar dentro da sua casa, pode ser seu melhor amigo, pode ser aquele professor, o chefe, o vizinho, o irmão, o pai, enfim. Nós só tivemos muito medo de passar por loucas ou exageradas ao nomeá-los como tal. Aliás, nem tinha nome para isso. Agora tem. E vamos continuar falando.

Parece ser bem difícil apontar esse cara que parece ser tão cheio de boas-intenções. Mas tenho algo a dizer: a gente só está começando.

 

Larissa Machado Queiroz, psicóloga (CRP 23/951), feminista, gestalt-terapeuta e orientadora profissional. Atua com psicoterapia presencial e online.

 

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