Sempre achei a palavra infertilidade pesada e grosseira demais. Sou psicóloga em uma clínica de reprodução humana assistida e todas as vezes, mas todas as vezes mesmo, que uso essa palavra, as pacientes me olham com olhos arregalados, quase como se dissessem que não gostariam de fazer parte deste “grupo”.

Penso que talvez isso aconteça porque vivemos em uma sociedade que prefere negar a realidade praticando discursos fantasiosos e muitas vezes mágicos. Não falamos sobre aborto, não falamos sobre a dificuldade para engravidar, não falamos sobre não querer ter filhos nem sobre como é difícil tê-los.

As mulheres ainda carregam o peso de um estigma que já foi desconstruído pela ciência. As causas da infertilidade podem vir tanto de homens como de mulheres, mas no passado podíamos ser abandonadas a própria sorte após o casamento se não pudéssemos gerar. O feminino parece se confundir com a maternidade, vivendo uma trama onde um é necessário do outro para existir em igualdade na sociedade e, quando não se entrelaçam, uma ruptura grave é provocada.

Os casais desejosos da maternidade e paternidade vivem sozinhos, calados, como se estivessem à margem de uma sociedade punitiva, preconceituosa e ao mesmo tempo repleta de conhecimento. Não faltam conselhos como se a bendita gravidez estivesse ao estalar de uma ideia. Ah, como sofrem essas pessoas, se soubéssemos… Talvez fôssemos mais cuidadosos com a realidade que vivemos e sobretudo com nossa total falta de controle sobre a existência humana. Talvez compartilhássemos mais de nossas experiências de vida, e fôssemos recebidos com mais acolhimento e amor por quem nos rodeia, sem preconceito, sem fanatismos ou ofertas para resoluções mágicas. Talvez pudéssemos até pensar num plano B sem vivenciar a certeza da falha e da insuficiência.

Faço aqui uma proposta de reflexão: quantas pessoas ao seu redor vivem com esse fardo da infertilidade? Poderemos usar essa palavra sem causar tanto estranhamento?  Qual o nosso papel enquanto cidadãos nessa sociedade, nesse momento, nessa era? Como podemos fazer um presente e um futuro mais acolhedor para um problema muito real que acomete cerca de 15% da população mundial?

Ellen Priscila L. Cortez Correa. Psicóloga formada pela Universidade Paulista em 2012. Especialista em Psicanálise e Reprodução Humana Assistida. Realiza atendimento a adolescentes e adultos. Instagram: @psicologa_ellencortezpsi