O Homem Invisível retrata a fuga de Cecilia de um relacionamento abusivo com seu marido Adrian e a sua adaptação a um recomeço. Em um novo lar e tentando lidar com os traumas gerados pela relação, a personagem recebe a notícia do suicídio de Adam. A partir daí, Cecilia se vê envolvida em situações amedrontadoras e de difícil explicação, que a põem sempre em xeque. Cada vez mais convencida de que o suicídio do marido é uma farsa, a protagonista tenta, obstinadamente, pôr fim a sua condição de vítima.

O suspense/terror de Leigh Whannell (Jogos Mortais, Invocação do Mal), apesar de ser um remake, não dialoga em nada com o filme homônimo de 1933 e nem com o livro, também homônimo, de H.G. Wells, exceto pelo elemento fantástico da invisibilidade. A trama trata-se de uma alegoria de violência doméstica, na qual Cecilia sofre abusos físicos e psicológicos do marido e, mesmo quando consegue criar coragem para transpor sua violentada vida, ela ainda se sente vigiada, à sombra de seu agressor. Quando a protagonista encontra-se em um novo lar, se readaptar a uma vida “em liberdade” é um processo lento, no qual reencontrar segurança em si e na vida exige paciência e muito autocuidado. Há uma cena marcante no filme na qual Cecília tenta sair de casa e atravessar a porta de entrada. É angustiante vê-la sentir imensa dificuldade em fazer algo tão corriqueiro numa vida não permeada pela opressão.

Tendo a invisibilidade, fruto de um experimento científico de Adam, como o elemento de ficção científica do filme, esse se torna uma excelente ferramenta alegórica para vislumbrarmos que, mesmo sem a presença física do abusador, a vítima permanece em constante vigília sobre sua segurança. Notamos também a importância de escutar um pedido de ajuda, por parte da vítima, que muitas das vezes é desacreditada em seu meio social. Cecilia busca socorro, diante das abusivas investidas do então invisível marido, em seu amigo próximo e sua irmã, mas ambos têm dificuldade em acreditar na palavra de Cecília visto que, para eles, Adam está morto, ainda que ela tente mostrar que a morte dele é uma farsa.

 

Elisabeth Moss em O homem iinvisível

 

Ainda que não saibamos como era a dinâmica do casal anterior à trama, o diretor nos dá várias pistas que nos faz construir a personalidade possessiva, controladora, egoísta e obsessiva de Adam. O propósito do agressor é ser dono de Cecilia a qualquer custo e, como não consegue mais, ele tenta puni-la por ela rejeitar a todo custo este, digamos, castigo.

Vale destacar a entrega de Elisabeth Moss ao papel de Cecilia que, com sua aparência abatida, seus cabelos despenteados e seu olhar baixo, nos passa genuinamente a imagem de uma mulher desgastada, que busca ajuda, mas é incompreendida. Apesar de todo o sofrimento e tensão, Cecilia não se mostra frágil. Vemos uma mulher persistente, que bate de frente com seu inimigo e incansavelmente busca forças para alcançar sua tão desejada liberdade. A postura, quase que heroica, de Cecilia certamente toca o público feminino a todo momento. É basicamente impossível nós, mulheres, não nos conectarmos com as angústias e sufocamentos pelos quais a protagonista passa ao logo de quase duas horas de suspense. E, claro, quase que clamar para que ela, enfim, consiga pôr um fim em seu tormento. Vale mais uma ressalva à incrível trilha sonora de Benjamin Wallfisch, que nos enrijece os músculos a cada investida cruel de Adam.

O Homem Invisível nos mostra uma relação abusiva através do olhar da vítima, que é uma mulher angustiada pela obsessão do marido e, dentre as variadas leituras, nos faz refletir sobre o percurso doloroso que uma vítima oprimida pelo medo percorre e como podemos exterminar esse ciclo abusivo tão cristalizado em diversas culturas.

 

Mariana dos Santos, bacharel em Letras Português/Francês e especialista em Literatura Portuguesa e Africanas, é revisora e trabalha com legendagem. Ama Arte, num geral, e acredita ser ela uma fonte inesgotável de diálogo, reflexão, luta e voz para tantas questões presentes na vida.

 

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