Eu sempre gostei de ser considerada madura. Tenho uma tia que diz que saí da barriga com dezoito anos. Desde muito pequena queria me sentar na mesa dos adultos, participar das misteriosas conversas de gente grande. Entrei na creche com um ano e meio, mas aos dois fui adiantada. Eu comecei a falar muito cedo, e minha mãe conta que eu ficava triste de não ter como conversar com os amiguinhos, segundo ela, eu reclamei que ninguém me respondia, só chorava. A sensação de ter acesso a algo que seria, a princípio, proibido fazia com que me sentisse especial.

Durante bastante tempo, considerei essa parte da minha infância algo engraçado de uma criança que começou a falar e nunca mais parou. Recentemente, entretanto, me dei conta de que, apesar de alguns detalhes que são particulares à minha vida, a experiência de se sentir mais velha do que os meus anos não era algo especial. Antes, era algo que a maior parte das mulheres à minha volta sempre ouviu e viveu.

Entre a confusão que é ser jovem demais para determinadas coisas, e grande demais para outras, a experiência de ser uma jovem mulher cis é um processo muito diferente da experiência dos homens cis. Comprou um sutiã, sujou uma calcinha com o primeiro sangue e pronto, temos aí um indício da “mulheridade”. Menstruando cada vez mais cedo, algumas, aos oito anos, ouvimos “já são mocinhas”. Ficamos com as tarefas da casa em um processo aparentemente orgânico, e se sabemos cozinhar já estamos “prontas pra casar”. Nessa brincadeira de se responsabilizar de forma desigual, nos tornamos mini adultas, enquanto as nossas contrapartes masculinas desfrutam da infância em sua plenitude.

Podemos ver as consequências disso no contexto dos relacionamentos heterossexuais: somos estimuladas a ter parceiros mais velhos, pois homens da mesma idade são imaturos. Um homem com uma mulher mais nova é ovacionado, mas quando as idades se invertem somos criticadas. A situação é ainda mais alarmante quando a distorção de maturidade atinge extremos.

Essa semana li uma notícia de um juiz de Minas Gerais que inocentou um homem de dezenove anos da acusação de estupro de vulnerável. O réu é responsável pela gravidez de uma jovem sua “namorada” que tem onze anos. A decisão vai de encontro à legislação penal que estabelece a idade do consentimento aos quatorze anos. A fundamentação do magistrado se calca na justificativa de que o relacionamento era consentido pela menina e aprovado pela família.

É assim que antes da idade em que possamos consentir, e com a aprovação de nossas famílias, a nossa juventude é amputada. Temos tolhido nosso direito de viver o momento da vida em que não somos mais crianças, mas que ainda não somos parceiras sexuais. A adolescência feminina deixa de existir, na medida em que passamos num piscar de olhos de crianças, para potenciais parceiras sexuais.

Nós, mulheres, perdemos o direito à imaturidade, enquanto os homens, para sempre crianças, nem quando cometem estupro são obrigados a responder pelos próprios atos. Quando, finalmente, me tornei por direito absolutamente capaz, já me sentia uma alma adulta há anos.

Hoje penso que gostaria de ter permanecido sentada na mesa das crianças por mais tempo.

 

Editado por Bruna Rangel e revisado por Ana Carolina Francisco.

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