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True Crime é um gênero antigo mas que tem sido muito popularizado recentemente. A tradução signfica “crimes reais”, em oposição às obras ficcionais. Trata-se, portanto, de histórias, em formato de livro, podcasts, séries e filmes, que tratam de crimes que realmente aconteceram. 

Isso quer dizer que não são obras “baseadas em fatos reais”, com interpretações dos acontecimentos, mas sim verdadeiros registros documentais sobre um certo crime. As produções contam a história a partir de depoimentos dos envolvidos, provas e análises feitas em cima de todo esse material. 

No Brasil, temos alguns exemplos de sucesso do gênero, como o podcast Praia dos Ossos que conta a história do feminicídio de Ângela Diniz, o podcast Projeto Humanos: Caso Evandro, que também virou livro e uma série de sucesso na globoplay fala sobre o sequestro e assassinato do garoto Evandro Ramos Caetano, bem como o Modus Operandi, podcast que destrincha um caso diferente a cada episódio.  

O curioso, no entanto, é que a maior parte do público que consome esse tipo de conteúdo é formado por mulheres.  No caso do Modus Operandi, as mulheres correspondem a 75% dos ouvintes, segundo a apresentadora Mabê. Esses dados se repetem em podcasts gringos. O americano “Wine and Crime” e o inglês “All Killa no Filla” tem 85% dos seus ouvintes mulheres. 

Uma pesquisa realizada pela Civic Science aponta que as mulheres são as que mais consomem podcasts de true crime: 26%, mais que o dobro de homens que responderam ser esse o gênero que mais ouvem (12%). Segundo o estudo “Captured by True Crime: Why Are Women Drawn to Tales of Rape, Murder, and Serial Killers?” (Capturadas pelos crimes reais: porque  mulheres são  atraídas por histórias de estupro, assassinato e assassinos seriais?”) corrobora a mesma tendência nos livros.  

 Mas… porque isso acontece? 

O mistério e o suspense em torno de uma história é algo que capta a atenção das pessoas. No entanto, quando se tenta analisar o porquê mais mulheres são atraídas por histórias de crimes reais, a explicação gira em torno do medo que mulheres tem de serem vítimas de algo semelhante.  Por isso, interessa o fato que não estamos falando que mulheres consomem mais conteúdo de violência (homens, por exemplo, consomem mais esse tipo de conteúdo em geral, principalmente em games), nem que mulheres consomem mais conteúdo de crimes de ficção… mas justamente o fato de mulheres consomem mais conteúdo sobre crimes reais. O real é um fator importante que capta o interesse feminino.

 “Quando experimentamos níveis elevados de medo, muitas vezes podemos buscar conforto ao enfrentar esses problemas de frente. Sempre recorremos à narrativa de crimes como forma de compreender melhor os limites morais de nossa sociedade. Talvez para as mulheres haja um desejo de saciar o medo recorrendo a essas histórias.”, diz a Dr Gemma Flynn, criminologista na Universidade de Edimburgo para uma reportagem da BBC.  

Segundo o estudo “Captured by True Crime” mencionado anteriormente, um fator que explica a predominância feminina entre o público leitor de crimes reais é a possibilidade de mulheres aprenderem táticas de sobrevivência. Nesse sentido, essas histórias oferecem perspectivas do que fazer caso algo semelhante aconteça, seja por relatarem casos de sobreviventes ou por mostrarem cenários do que se poderia ter feito para evitar o desfecho trágico. Afinal, se o medo move mulheres a consumirem esse gênero, mulheres buscam também nesse conteúdo informações que evitem o medo de ser mais uma vítima.

Outro fator mostrado no estudo diz respeito ao conteúdo psicológico das histórias. A motivação para o crime é um fator de interesse para mulheres, o que encontra ressonância na fala da Dra. Gemma Flynn citada anteriormente. Entender as motivações de um crime pode fazer com que as mulheres encontrem algum tipo de controle em algo que foge do nosso controle, como a possibilidade de ser vítima de uma situação de violência. É, também, uma forma de entender as pessoas na tentativa de prevenir que algo semelhante ocorra com ela. 

Segundo a Dra. Gemma Flyn, existe uma contradição em torno do medo em mulheres:  “embora as mulheres sejam muito menos propensas a serem vítimas de crime, são extremamente propensas a expressar altos níveis de medo do crime.” O estudo citado anteriormente, também ciente dessa contradição, reflete se esse tipo de conteúdo alimenta esse medo muito mais do que tranquiliza, resultando em um ciclo vicioso: 

 “Não é possível afirmar com certeza a partir destes estudo se esse ciclo vicioso ocorre ou não, mas sabemos que as mulheres, em comparação com os homens, têm um medo maior do crime, apesar do fato de serem menos propensas a se tornarem um vítima de um (Allen, 2006; Chilton & Jarvis, 1999) e que as mulheres são atraídas por livros de crimes reais que contêm informações sobre como evitar que se tornem vítimas de tal crime” .

A possibilidade de prevenção é o fio da meada que explica porquê as mulheres preferem livros de true crime. O estudo publicado na Social Psychological and Personality Science, conclui que:  

 “(…) Ao entender por que um indivíduo decide matar, uma mulher pode aprender os sinais de alerta para preste atenção em um amante ou estranho ciumento. Ao aprender dicas de fuga, as mulheres aprendem estratégias de sobrevivência que podem usar se forem realmente sequestradas ou mantidas em cativeiro. Além disso, a descoberta de que as mulheres consideram os livros de crimes verdadeiros mais atraentes quando as vítimas são mulheres apoia a noção de que as mulheres podem ser atraídas por esses livros por causa do conhecimento potencial para salvar vidas ganho lendo-os. Se uma mulher, em vez de um homem, é morta, os motivos e as táticas são simplesmente mais relevantes para as mulheres que leem a história”.

Como ávida consumidora do gênero true crime, achei que esses dados são bastante interessantes, mas não contemplam meu interesse específico nesse tipo de história.

É compreensível que mulheres encontrem nessa histórias formas de evitar que sejam parte das estatísticas, mas o que mais me atrai nesses histórias não é esse medo, mas sim como essas histórias me permitem entender nossa sociedade e como é ser uma mulher na nossa sociedade. O que mais me atrai é que muitas vezes o crime é o ponto de partida para discussões mais abrangentes.

O podcast Praia dos Ossos, por exemplo, fala sobre o feminicídio de Ângela Diniz, mas não apenas isso. Fala sobre como era ser uma mulher naquela época, como opera o machismo no judiciário e como era a percepção social acerca do feminicídio. O Caso Evandro também não é só sobre um crime horrendo, é sobre tortura sistemática e sobre as falhas do nosso sistema de justiça. As melhores histórias de true crime não são sobre crime, nem sobre como evitar ser vítima, mas sobre o racismo e machismo nas investigações e julgamentos, sobre como as pessoas podem ser condenadas sem provas, como a tecnologia pode ser utilizada para solucionar um crime ou como a falta dela impõe um desfecho totalmente diferente, são sobre as pessoas, sobre a memória das vítimas e tantas vezes também são sobre resgatar a humanidade de pessoas julgadas erroneamente.

E você já parou para pensar no que te interessa no true crime?

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