Quem atua ou já atuou na área da educação sabe como os profissionais dessa área vivem em meio a dilemas, debates e discussões embaladas pelas necessidades de cada momento vivido pela sociedade. Não há como um educador ter práticas eficientes sem estar em constante atualização e adequação às necessidades de seus alunos.

Mas ao mesmo tempo em que existe a necessidade de atualização constante, existem também muitos professores que a negam, permanecendo com suas práticas e discursos ultrapassados. Um exemplo disso são as práticas de ensino reprodutoras de machismo que, não raro, podem ser observadas no meio pedagógico. Para entender a importância de refletir e discutir sobre esse assunto, é preciso entender que a escola pode imprimir marcas profundas e permanentes em seus alunos. Portanto, dependendo de como for a abordagem inicial dos professores para com os alunos, estes levarão os efeitos de tal abordagem consigo para o restante da vida. Para imprimir no aluno tais marcas permanentes, a escola muitas vezes se pauta na necessidade de manter certa organização para que seja possível a aprendizagem e a boa convivência entre os seus membros, definindo assim, imperativamente, como cada sujeito deve comportar-se.

É necessário reconhecer que, sem dúvida, a discussão perpassa pelo tema da sexualidade e como este é tratado na escola, sendo capaz de levar os alunos a construí-la desta ou daquela forma. Sobre isso, Guacira Louro afirma que  “através de múltiplas estratégias de disciplinamento, aprendemos a vergonha e a culpa; experimentamos a censura e o controle. Acreditando que as questões da sexualidade são assuntos privados, deixamos de perceber sua dimensão social e política.” [1]

Nesse contexto, se os alunos são educados por uma perspectiva machista – que influencia meninas a serem recatadas e meninos a serem fortes e valentes -, conclui-se que haverá consequências futuras, pois as práticas machistas serão perpetuadas. Daí a dimensão social e política da sexualidade que permite a organização social desta ou daquela maneira.

Geralmente, as crianças já ouvem discursos machistas antes mesmo de adentrarem na escola e já nos primeiros dias de adaptação ao iniciar sua vida escolar, mesmo enquanto muitas choram e sentem-se inseguras, ouvem frases como: “você é uma princesa, pare de chorar, se não fica feia”, “pare de chorar, homem não chora”. A partir desse momento, a criança já começa a desenvolver a percepção equivocada de que meninas devem ser delicadas, como princesas, bonitas, elegantes, e os meninos devem ser fortes, corajosos, que não devem expressar seus sentimentos ou expressar-se de modo considerado exagerado pela sociedade em geral.

Guacira Louro, em sua obra Pedagogias da Sexualidade, nos diz que “a sexualidade não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política.  (…) A sexualidade é ‘aprendida’, ou melhor, é construída, ao longo de toda a vida, de muitos modos, por todos os sujeitos.” [2]  Sendo assim, fica claro que ao ouvir frases como as citadas no exemplo, a criança estará moldando seu pensamento em relação à sexualidade, entendendo como deve comportar-se (ou como se espera que se comporte) ao se reconhecer como um indivíduo dotado de um corpo que o define como menino ou menina.

Outra situação comum nas escolas é a dúvida de alguns professores em relação à heterossexualidade de um aluno. Caso seja ele menino, é comum ouvir frases como “mas fulano é estranho, nunca joga futebol, qualquer coisa já chora, só anda com meninas”. Sendo menina, ouve-se “mas fulana é puro menino, adora um futebol, só usa roupa larga, nem brinco gosta de usar”, entre outras frases. Esses discursos são fruto do machismo estrutural, que impõe um modelo padronizado a ser seguido por meninos e outro por meninas. Qualquer indivíduo que fuja desse modelo padrão é tido como diferente e digno de atenção especial, pois é um indivíduo potencialmente transgressor dos modelos comportamentais aceitos. Esse indivíduo passa a ser julgado pelo modo como se comporta em relação à sexualidade, excluindo-se da análise todas as suas outras capacidades como inteligência, criatividade, atitude, ou seja, é reduzido ao modo como expressa seus gostos, sentimentos e vontades.

Essa reprodução do machismo no ambiente educacional não é prejudicial somente para as meninas, pois constantemente “a manifestação de afetividade entre meninos e homens é alvo de uma vigilância muito mais intensa do que entre as meninas e mulheres. De modo especial, as expressões físicas de amizade e de afeto entre homens são controladas, quase impedidas, em muitas situações sociais.” [3] Desse modo, ao seguir com práticas educacionais reforçadoras do machismo, a escola estará contribuindo para a formação de futuros homens instáveis, incapazes de entender e expressar seus sentimentos, o que muitas vezes os tornará violentos e insensíveis.

As brincadeiras e o modo como o educador orienta sobre o uso de brinquedos pode ser um meio de reprodução do machismo no momento em que meninos são incentivados a demonstrar sua força e habilidade corporais em jogos de disputa como futebol e outros. As meninas, por sua vez, são incentivadas a participarem de brincadeiras que não precisam de força, como amarelinha, faz de conta ou fingir que é mãe/dona de casa. Em seus estudos sobre o brincar, Llilian Biazotto afirma que:

“Ao brincar, a criança não apenas expressa e comunica suas experiências, mas a reelabora, reconhecendo-se como sujeito pertencente a um grupo social e a um contexto cultural, aprendendo sobre si mesma e sobre os homens e suas relações no mundo, e também sobre os significados culturais do meio em que está inserida.” [4]

 

Logo, se as brincadeiras das quais a criança participa fazem distinções entre meninos e meninas, demonstrando que o corpo define como a criança deve comportar-se, é essa ideia que a criança internalizaram, deixando de lado algumas de suas vontades e preferências para se adequar ao modelo de comportamento socialmente aceito. Essas práticas de reprodução do machismo são realizadas pelos educadores sem que, em muitos dos casos, ele perceba a dimensão de suas atitudes e o quanto são prejudiciais para o indivíduo e para a sociedade.

Para que o educador seja capaz de identificar esses problemas e resolvê-los, é necessário que reflita sobre suas atitudes, leia, pesquise e busque novas soluções. Sobre esse assunto, não há espaços para “achismos”, o professor não pode pautar-se naquilo que ele acha que é certo, é preciso que se aprofunde, discuta com seus pares, busque saber mais, coloque em prática novas metodologias de ensino que prezem pela igualdade entre os gêneros. Sobre esta atitude de constante pesquisa e reflexão sobre suas práticas, Paulo Freire nos diz que:

“Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.” [5]

 

As práticas de ensino que reproduzem a cultura machista são sutis, mas seus efeitos são duradouros e significativos. Portanto, para que tais práticas sejam identificadas, superadas e modificadas, é preciso que os educadores estejam em constante processo de estudo e reflexão sobre suas atitudes e metodologias de ensino. Nenhuma prática será significativa sem pesquisa, assim como nenhuma pesquisa será válida sem sua relação com a prática.

 

Camila Carneiro. Sou graduada em Pedagogia e especializada em Neuropsicopedagogia e Psicopedagogia. Há alguns anos trabalho na área da educação, lutando pelo fim das práticas de ensino machistas e pelo fim do abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes.

 

Referências bibliográficas

BIAZOTTO, Llilian. A brincadeira e o desenvolvimento da criança na educação infantil. 2014. 30 f. Mono grafia de especialização. Especialização em educação: métodos e técnicas de ensino, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Medianeira, 2014.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LOURO, Guacira L. O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

Notas:

[1] LOURO, 2000, p.18.

[2] LOURO, 2000,p.5.

[3] LOURO, 2000, p.18.

[4] Biazotto, 2014, p.10.

[5] FREIRE, 1996, p. 14.

Compartilhe...