(Dedico ao meu amigo William Santana)
“Várias queixas” – do Gilsons (2020) – pode ser o meu hit para viver uma paixão. Não quero mais me arder em canções que não falam de mim. Que não tratam deste corpo negro, suado, desejado e desejante, marcado por uma história que nunca foi a minha.
Não cabe mais em mim o sufoco dos versos sem oxigênio de Florbela Espanca, Emily Dickinson e Augusto dos Anjos. Esse tirar o ar, eu já não o quero. Ando desejando brisas leves de Oya. Amores borboletas.
Sempre nos sufocaram. Sempre nos privaram da leveza e sutileza da vida. O dreno e o denso sempre nos coube. Sempre nos impuseram essa marra de amarras do que é sentir o sentimento. Mas isso nunca foi nosso.
As histórias de amor dos nossos orixás são tão mais reveladoras e grandiosas que o drama de Tristão e Isolda, ou Romeu e Julieta. A potencialidade dessas narrativas – não contadas pela oralidade da colonização – está no simples fato da pertença identitária dos povos pretos.
Nosso amor é outro. Nosso jeito de amar é de outra forma. Nossas subjetividades nunca foram narradas, escritas ou cantadas. E esse banzo decorrente da ausência da nossa ontologia fez com que vivêssemos acreditando numa única forma normativa, colonial e racializada sobre os afetos e o amor.
Mas quando a gente se auto descobre. O revelamento do nosso cordão umbilical volta mais uma vez a nos gestar. Reencontramos os nossos. Cultuamos a nossa ancestralidade. E passamos a honrar o que de fato sentimos.
A vida sempre foi nosso ponto precioso de amor e de luta, pois a morte sempre foi a nossa inimiga. Então, devolvemos a morte para eles e ficamos com a vida.
Esse desejar a vida se dá no mesmo instante em que desejamos o amor, a grandiosidade e as nossas potencialidades manifestadas em tudo aquilo que temos e possuímos dentro de nós. Tudo validado pela nossa tradição, e não mais pelo crivo acrítico da branquitude.
Essa descolonização, esse expurgar, é tão libertador quanto reconstrutivo. Passamos a ter outros olhos, outros ouvidos, outro tato, para sentir a pele retinta. O cheiro cheiroso do nosso suor. A gingar entre as nossas e os nossos com a malemolência de quem sempre soube dançar com a vida sofrida.
Não será mais amores bergmaniano que nos fará tirar o ar, a vida. Mas, sim, amores Gilsons, que faz querer dançar coladinho, deixando escorrer as lágrimas da luta cotidiana e o suor do emaranhado de corpos negros se amando em total gozo de liberdade e prazer.
Um amor banhado no azeite de dendê, apimentado com pimentas pretas e vermelhas. Regado com as águas doces de mamãe Oxum. Sacralizado pelo amor fogo de Xangô e Iansã. Um amor viril de Exu, cujos corpos pretos se cruzam feito encruzilhada.
Se não for para ter um amor assim, eu nem amo. Sigo me amando!
Minha Deusa, que maravilha seu narrar. Obrigada