O ano de 2020 chegou ao fim, mas custo a acreditar. Lembro-me de escrever mil desejos num papelzinho na virada de 2019 e de fazer todos os pensamentos bem fortemente alinhados em vibrações positivas. Mesmo assim, o ano acaba como um ano marcado pela morte, pelo luto coletivo e pela bestialidade. Não bastasse a pandemia, seguimos sem eira nem beira num país governado por um senhor seriamente comprometido em sua inteligência e capacidade empática.

Ainda que tenhamos dançado e dado as mãos no dia 31 de dezembro de 2019, estamos ainda presos na incerteza e no medo; seguimos esperançosos de novos tempos, mas, não, eles não virão tão cedo. Neste ano, mais do que acreditar, quero estar preparada.

Desculpem, leitoras e leitores, mas, não, nossa corrente vibracional não mudará o fato de que a Amazônia foi devastada, de que não temos planos para a vacinação e de que aproximadamente um quarto do povo brasileiro vive em estado de zumbi, seguindo conselhos médicos de terraplanistas e torturadores. No momento, portanto, procuro algo que nunca tenha feito antes, uma simpatia às avessas, um modo de passar o ano novo que não coloque assim, na minha mente iluminada de pessoa que não passa fome, nenhum tipo de responsabilidade apenas energética, magnética, esotérica, etc. Se, para mim, isso faz bem, acalma e alivia, que eu o faça sabendo que estou movimentando individualmente um bem estar. Que eu assuma que faço pedidos pelos meus. Que eu assuma que, sentar, meditar e vibrar pelo mundo, é uma forma de existir e conseguir um pouco de consolo, mas não é uma revolução.

Me dói escrever essas palavras. Imediatamente vêm à mente pessoas que amo e que talvez estejam creditando parte grande de sua esperança à transmutação energética violeta. Mas, ali, do ladinho, vêm os que fecham os olhos com força, em rezas e sussurros, pedindo paz no mundo para os homens de bem; para as famílias de bem. Imediatamente, eu entendo que todo pedido de ano novo é um projeto carregado de valores e morais. A paz de alguns não aceita novos formatos de família, políticas antirracistas, existência digna da população trans, condições de moradia, direito à saúde, etc. Não. A paz de muitos passa pela tranquilidade do sofá morno, da família morna, da rotina fria, dos pecados quentes enfiados embaixo do tapete da sala. A paz de muitos é a não legalização do aborto, mas o telefone do médico amigão, caso a amante engravide e tenha que acabar com esse inconveniente.

Hipocrisia não se vence com vibrações. A vibração dos hipócritas é que a desigualdade prevaleça. E não estou eu convencida de que meus raios violeta darão conta de tantos outros raios por aí, viajando na meia noite do dia 31 de qualquer ano. Todos acham que estão fazendo algo de bom pela humanidade. Quando a gente se dá conta disso, de que o conhecido que postou no grupo do whatsapp um manifesto anti-vacina está querendo alertar, acordar as pessoas, trazer as pessoas para o lado do bem, é desesperador. Não dá para ancorar o navio na energia coletiva de vibração se perdemos toda e qualquer dimensão ética. Não há energia que substitua aulas de História e valorização da ciência. Não há esperança individual. Existir é uma tarefa coletiva.

Na minha simpatia de ano novo, fechei os olhos e pedi saúde para mim e para os meus, sabendo que, estar viva é parte importante da possibilidade de novos mundos, mas sabendo que, caso eu me restrinja a ações como essa, estarei fazendo coro à vibração dos hipócritas.

Nesse último parágrafo, deveria estar escrevendo alguma solução ou proposta ou caminho. Não tenho. Minha simpatia às avessas é não saber de antemão como salvar o mundo.

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