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Existe uma crença de que quando várias pessoas que moram ou trabalham juntas acabam sincronizando seus ciclos menstruais. Já ouviu falar nisso? E… será que é verdade?

Em 1971, a pesquisadora Martha K. McClintock publicou na revista Nature o artigo “Menstrual Synchrony and Suppression”, analisando que a “sincronia e supressão entre um grupo de mulheres que vivem juntas em um dormitório de faculdade sugerem que a interação social pode ter um forte efeito no ciclo menstrual”.

Ela estudou 135 mulheres, nas idades de 17 a 22 anos, todas residentes de um dormitório em uma universidade para mulheres. Por três vezes durante o ano acadêmico, cada mulher informou quando havia sido sua última e penúltima menstruação, além de com quais pessoas elas passavam mais tempo e, assim, fizeram o cruzamento desses dados. O resultado observado foi que houve uma sincronização significativa entre amigas próximas e colegas de quarto.

No próprio artigo, McClintock reconhece que essa sincronia pode ser justificável por diferentes fatores e não necessariamente por passarem tempo juntas. Ela menciona, por exemplo, o fato das mulheres normalmente terem costumes similares de alimentação e períodos de estresse semelhantes uma vez que moravam no mesmo dormitório. Assim, foram realizados mais experimentos, e o método foi ajustado para dar conta desses elementos. O resultado da pesquisa afirma que, apesar de ser um estudo preliminar, “a evidência para sincronia e supressão do ciclo menstrual é alta, indicando que em humanos há alguma forma de processo interpessoal psicológico que afeta o ciclo menstrual”.

Diversos outros estudos foram realizados a partir daí. Em 1998, McClintock sugere a hipótese – baseada em estudos de laboratório – de que o alongamento ou encurtamento dos ciclos era causado por feromônios de base ovariana que aceleravam ou retardavam o aumento do hormônio luteinizante e, portanto, encurtavam ou aumentavam os ciclos menstruais. Além da biopsicóloga, outros pesquisadores se debruçaram sobre o tema, estudando colegas de quarto, companheiras de trabalho, atletas, entre outros grupos e casais compostos por mulheres. “No entanto, a literatura fornece evidências longe de serem conclusivas para a existência de sincronia menstrual”, diz Anna Ziomkiewicz, no estudo “Menstrual Synchroni: fact or artifact?”

Zeimkiewcz afirma em seu artigo que os estudos que se seguiram, nos últimos 30 anos, não encontram embasamento para a hipótese levantada por McClintock e, aponta também erros de pesquisas anteriores:

“O fenômeno foi questionado por estudos teóricos, metodológicos e empíricos de acompanhamento. Usando um modelo matemático, Wilson (1992) mostrou que a sincronia menstrual deve ser esperada em metade dos casos estudados, sem que nenhuma causa externa a produza. A probabilidade de ocorrência desse fenômeno deve ser maior no início de um período de observação e diminuir para os valores esperados nas observações subsequentes. Ele também encontrou três erros metodológicos que apareceram em estudos anteriores e podem aumentar a probabilidade de observar a sincronia quando de fato ela não ocorreu: (1) um período de observação muito curto, (2) métodos incorretos de calcular as diferenças de início masculino e (3) exclusão de assuntos específicos da análise.”

A própria Anna Ziomkiewicz conduziu uma pesquisa com 200 estudantes poloneses que moravam no mesmo dormitório. O resultado foi resumido em uma frase: “mulheres não sincronizaram seus ciclos menstruais”.

 

Sincronia ou sobreposição de ciclos?

 

Uma série de artigos publicadas no início dos anos 2000, no Journal of Comparative Psychology, pelos pesquisadores Schank, Weller e Weller e Graham mostra as discussões em torno do tema. Schank afirma que não há evidência de que ciclos menstruais se sincronizem e sua principal crítica diz que “muitos pesquisadores que estudam a sincronia estão examinando uma pontuação de sincronia (na qual quanto mais próximos estão os ciclos, menor é a pontuação). Uma pontuação de sincronia baixa, então, não é sincronia real. Além disso, Schank aponta que as pontuações de sincronia aumentam em cada artigo que ele analisa, o que significa que as mulheres se tornam menos sincronizadas com o tempo em todas as populações de estudo existentes.”

O artigo “Do Women in Groups Bleed Together? On Menstrual Synchrony”, de Kate Clancy, publicado em 2011 no site Scientific American, ajuda a entender melhor a posição de Schank:

“Em ambos os artigos de Schank e sua carta (Schank 2000; Schank 2001; Schank 2002), bem como o artigo de Strassmann (1999) e outros de Wilson (Wilson 1992; Wilson et al. 1991), os autores apontam vieses estatísticos metodológicos adicionais . Aquelas que realizam pesquisas de sincronia menstrual falham em controlar os vieses de memória ou sincronia aleatória e aumentam a diferença inicial no início do ciclo, o que cria uma aparência mais forte de sincronização posterior. Além disso, Strassmann aponta que aqueles que controlam essas questões não encontram evidências de sincronia (Strassmann 1999). Finalmente, a maioria das críticas à pesquisa de sincronia também aponta que a sincronia é muito difícil de conseguir quando os ciclos menstruais naturais são altamente variáveis – o que é verdade que são.”

Mas a gente percebe que essa sincronia acontece entre nossas amigas e colegas de trabalho. Não há mesmo algum fundo de verdade nas observações de sincronia de McClintock? De acordo com Shanck o que acontece é, na verdade, uma sobreposição de ciclos e não uma sincronia.

“A crença popular na sincronia menstrual origina-se de uma percepção equivocada sobre a diferença entre o início da menstruação para duas mulheres”, ele diz. “Dada uma duração de ciclo de 28 dias (não a regra – mas um exemplo), o máximo que duas mulheres podem estar fora de fase é de 14 dias. Em média, os inícios [dos ciclos] ocorrerão com 7 dias de intervalo. Metade do tempo eles deveriam estar ainda mais próximos (Wilson 1992, Strassmann 1997). Dado que a menstruação geralmente dura 5 dias, não é surpreendente que amigas comumente experimentem menstruações sobrepostas, o que é considerado uma confirmação pessoal da sincronia menstrual” (Strassmann 1999: 579).

O que ele quer dizer é que, eventualmente, mulheres de um mesmo grupo irão menstruar num mesmo período, mas que isso tem a ver com as chances matemáticas de uma sobreposição dos cliclos e não por uma sincronia menstrual.

O curioso é que acreditamos na sincronia da menstruação como algo que vai muito além de cálculos matemáticos ou pesquisas científicas. O estudo de McClintock – que deu a partida na discussão – foi publicado nos anos 70, e encontrou grande acolhida no crescente movimento feminista e de certa forma isso é percebido até hoje. Mais do que estudo sobre as causas da sincronia do ciclo menstrual, a pesquisa de McClintock parece ser usada para algo que transcende seus dados, uma narrativa de espécie aproximação quase que mística entre grupos de mulheres é criada em torno desse estudo.

Talvez seja muito mais legal acreditar que de alguma forma nosso corpo reconhece que estamos entre iguais e nossos ciclos se sincronizem, mas precisamos aceitar a realidade de que muito provavelmente isso não passa de coincidência.

 

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Referências:

CLANCY, Kate. Do Women in Groups Bleed Together? On Mesntrual Synchrony. Scienfic American, 2011. Disponível em: https://blogs.scientificamerican.com/context-and-variation/menstrual-synchrony/. Acesso em 18.06.2021.

MCCLINTOCK, M. K. (1971). Menstrual Synchrony and Suppression. Nature, 229(5282), 244–245. doi:10.1038/229244a0. Disponível em: https://sci-hub.se/https://www.nature.com/articles/229244a0. Acesso em 18.06.2021.

Ziomkiewicz, A. (2006). Menstrual synchrony: Fact or artifact? Human Nature, 17(4), 419–432. doi:10.1007/s12110-006-1004-0. Disponível em: https://sci-hub.se/10.1007/s12110-006-1004-0. Acesso em 18.06.2021.

Editado por Bruna Rangel e revisado por Júlia Zacour

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