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Estamos vivendo em São Paulo, há semanas, um domingo sem fim. Lojas fechadas, ninguém nas ruas, os filmes enjoam e o sofá já está com a marca da minha posição. Vivendo um dia por vez em um clima de poucas expectativas.

Quem pode, como eu, faz de um cômodo o ambiente de trabalho, quem não, aguarda em silêncio, ouvindo notícias, compartilhando tantas outras.

O tempo que sempre me foi escasso, agora parece não passar. Sempre em horas iguais 07:07 me levanto e me alongo, 08:08, vejo no relógio e estou tomando o meu café 09:09 sim o trabalho já começou 10:10, 11:11, 12:12 de VC em VC, as video-conferências já foram abreviadas, uma meditação de concentração, mas é difícil, a tarde se segue e 18:18 já deixo o cômodo e não sei o que fazer nesse domingo infinito, que tem trabalho, mas é domingo.

Me distraio com receitas culinárias, não quero mais notícia. Já quis ter notícia minuto à minuto. Já tentei acompanhar de tudo, ler de tudo 19:19, 20:20, 21:21, 22:22 mais do que já é sabido. As notícias mais factíveis, infelizmente não são aquelas mais animadoras.

Aquele mundo das segundas às sextas já não existe mais, aqueles planos, metas, trabalhos e desenvolvimentos já não vão acontecer. Trocados por outros, como trazer a empatia, como segurar essa situação, como trabalhar de casa, como ser socialmente próximo e mesmo bem distante.

O mundo daquelas 60 horas das sextas à noite, sábados e domingos. O que era tão aguardado, de um passeio no parque ao almoço na casa da vó, sem deixar, é claro, aquele boteco de mesinha de plástico com um samba na calçada.

Amores que vão aos extremos, confinados num mesmo ambiente onde as diferenças gritam, vidas que eram levadas em uma convivência de 8h de sono, com delegação de tarefas, hoje vivem essa intensidade das 24 longas horas. Outros que tinham data e hora para se encontrar, agora, vivem nesse hiato.

Muito mais contato, e nenhum pode ser físico. O abraço, o beijo o aperto de mão, são todos virtuais. O bom dia do Whastapp já é mais real que por educação. Saber se você está bem tem um significado muito maior agora.

E é por isso que tenho que me lembrar todos os dias o porquê desse domingo sem fim, para falar com aqueles que amo, e perguntar “tá tudo bem?” e eles me responderem “sim”.

Porque não desejo nem ao meu pior inimigo uma morte solitária, que a roleta russa chama e decide aqueles que podem ser seus últimos momentos, sem despedida, sem velório, num caixão lacrado enterrado por coveiros de máscara.

Um adeus solitário que só sabe quem perdeu alguém na ditadura, desaparecido, ou nas guerras.

Em tempo de guerra global, o inimigo é tão perspicaz que não se vê, mas que nos tira totalmente do eixo, que faz mudar nosso mundo, que faz rever suas prioridades, que tira toda sua saúde mental.

23:23 e eu estou aqui, escrevendo nas horas iguais de um dia igual de um ano de números iguais 2020, que já é diferente de tudo que eu já vivi.

O que já vivi e conheci não tem mais, o do futuro se decide a cada dia.

Vivam um dia de cada vez, fiquem bem e lavem as mãos.

13 de abril, 13º domingo do mês.

 

Raissa Novaes. Uma publicitária cheia de ideias na cabeça, que mudou de vida ao trabalhar no Google. Dá periferia de São Paulo para o mundo, conhecendo mais de 25 países sem deixar de reconhecer suas raízes periféricas. Mais uma em home office tentando passar pela pandemia.

 

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