Agosto de 2020, sei lá que dia da quarentena

Eu divido apartamento com duas amigas e uma delas tem uma filha que fez 2 anos há alguns dias. Hoje, a criança atirou no chão um prato lindo de macarrão, feijão e carne do almoço. Pela quarta vez. Foi impossível impedir, foi rápido e súbito demais. Para mim, naqueles 3 segundos pós-catástrofe, parecia que tudo estava suspenso, pausado. A mãe boquiaberta. Se na minha cabeça flutuavam interjeições que iam do palavrão por causa do susto, à incredulidade da situação que se repetia, não consigo nem imaginar o que se passava na cabeça da minha amiga, só sei que o olhar dela era de desespero… e exaustão. Eu só consegui levantar e pegar as coisas pra limpar a bagunça e no caminho senti alívio por não ter que lidar com essa “nova moda” da criança de jogar suas refeições no chão, mas também me perguntei o que fazer pra ensinar à ela como isso é errado. Como faz? Deixa sem comer, grita, manda limpar (risos), coloca de castigo… Como faz pra ensinar que precisa se alimentar da melhor maneira possível, que precisa dormir, que precisa estudar, que precisa tomar banho. Como faz pra ensinar o ser humaninho a ser gente?

Apesar de todas as dicas que as pessoas dão sobre criação (tô chamando de “dica” pra ser fofa, não se metam na criação do filho dos outros), a verdade verdadeira é que ninguém sabe o que tá fazendo. Criança não vem com manual de instruções, ninguém sabe onde liga e desliga, como monta e desmonta, quanto peso aguenta ou como manusear corretamente. Como se cuida de um negócio que você não sabe se tá fazendo certo ou errado?

É a primeira vez que eu convivo tão perto com uma criança pequena desde a minha irmã caçula. Mas na época eu mesma também era uma criança então não conta muito. Estamos passando esses dias de quarentena juntas vivendo nosso dia-a-dia de fazer refeições, limpar a casa, assistir TV, dormir, etc. com uma criança.  E minhas caras… é foda. Pior do que foda, hoje eu percebi que é solitário! Aquele serzinho ocupa 100% do seu tempo que na verdade nem é mais seu. Eu tento ajudar como posso mas a real é que a tia Isa não pode muito por não saber de nada. Tudo aqui em casa tem que estar fora do alcance de criança, portas fechadas e rede na janela pra evitar qualquer acidente. Temos TV a cabo só pra assistir desenhos, raramente passa qualquer outra programação que não a infantil. Só fazemos “festinha” quando a criança dorme na casa dos avós ou do pai. E ainda assim, tomando todas as precauções. Mesmo não sendo a mãe, e não sendo a principal responsável pela criança, existe um mundo de confusão e dúvida que se passa na minha cabeça.

Essa reflexão me fez admirar a coragem que as pessoas todas têm de “entrar de gaiato nesse navio”. Para mim, aceitar ser mãe é tipo participar daqueles programas de TV que você tapa os ouvidos e acaba trocando uma casa própria por uma foto com o Raça Negra. Espera-se tanto e ao mesmo tempo anula-se tanto o seu “ser mulher”, o seu individual. Não está nos meus planos ser mãe então eu talvez nunca saiba se é mesmo tão gratificante como dizem, talvez eu nunca sinta esse amor incondicional que faria todo esse desespero valer a pena.

Uma parte muito importante do meu crescimento como pessoa foi passar a ter noção de que existe uma mulher além da minha mãe. “Descobrir” que a minha mãe é uma mulher e que também passa por todas essas incertezas e situações desconfortantes, lidando com suas próprias questões, abrindo mão de várias coisas, se culpando por tudo. Cada dia que passa eu tenho mais e mais empatia com a minha mãe, mais sororidade. Cada dia que passa eu me lembro mais vezes de quando ela dizia “se eu morrer vocês vão viver na imundice?!” ou “quando vocês crescerem vão morder a língua”. Talvez eu não queira ter filhos por saber que morder a língua dói e eu juro que minha casa é limpinha mas que dá um trabalho danado, dá. Me resta agradecer e parabenizar todas as mulheres que aceitaram ser mãe (aceitaram por que nem sempre é uma escolha). Vocês são loucas, corajosas e muito, muito fodas por tudo o que fazem e por tudo o que passam sem nem apertar o pescoço dessas crianças, nem um pouquinho.

E mãe, eu agora escrevo cheia de lágrimas nos olhos, eu sinto muito por tudo o que a nossa sociedade escrota fez você passar só por que você ficou grávida; me perdoe por todas as vezes que eu não te ajudei a manter a casa limpa e arrumada, pelas malcriações e coisas feias que fiz e falei e pelas notas baixas; eu te amo por tudo o que você conseguiu fazer na vida sem apoio e no escuro. Obrigada por toda a paciência e dedicação que você tem até hoje comigo e com a minha irmã. Você fez tudo certo, sempre!

 

Isabela Guedes. Isa produz conteúdo, cuida da experiência do cliente, troca a resistência do próprio chuveiro e tenta não surtar cuidando de suas plantas. Se descobriu feminista quando teve que se defender ao escolher trabalhar e viajar aí invés de se casar e ter filhos. Eu hein!

 

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