Começo essa coluna com o desejo de falar sobre o título que ela possui.

Ao pensar no que escrever nesse blog, cheguei à conclusão de que não queira ausentar da minha narrativa o fato de que tenho quase quarenta anos, sou ansiosa e tenho a constante sensação de atraso. Será preciso concentração e coragem para que eu possa expor aqui o maior medo da minha vida: não dar tempo.

Mas não dar tempo de quê?

A essa pergunta ainda não tenho resposta e penso que minha escrita seja justamente essa busca. Não busco imortalidade na palavra, pois não tenho esse desejo de entrar para a história. Escrevo, converso e me comunico por querer um pouco de paz hoje. Um boa noite de sono, talvez.

Talvez não dê tempo é a versão sem anestesia do você tem a vida toda pela frente.

Duas verdades óbvias. Uma com cara de “não se preocupe” e outra com cara de “corra”. Nenhuma das duas me acalma, mas a junção das duas me interessa. Sim, talvez não dê tempo, mas você de fato tem a vida toda pela frente. Assim, não me restam apenas a resignação incapacitante ou a pressa taquicárdica. Ao estender na minha frente o tempo da vida, em sua finitude cheia de infinitos, chego à conclusão de que será preciso fazer escolhas.

Fazer escolhas para quem? Com base em quê? Em quais sonhos? Ainda perguntas sem respostas, mas, se elas já aparecem aqui na minha agenda, sinto que estou mais próxima do descanso.

A mim, como na maioria das mulheres, foi embutido o desejo da organização, limpeza e maternagem. Se você, mulher maravilhosa, conseguiu driblar essas imposições e tem construído sua vida sem que elas borrem os seus propósitos, parabéns. De verdade. Sinto que você faz parte de uma parcela minúscula da população feminina.

Agora, se você me lê e sente que é preciso receber as visitas com casa arrumada e cheiro de bolo; ou se a culpa por trabalhar demais vem como uma pedra na testa todas as vezes em que vê sua cria crescer; ou se você se incomoda mais com a louça do que seu companheiro; ou mais com o uniforme; ou mais com as roupas que não servem mais; se você já se sentiu responsável por comprar roupas novas pra marmanjo; se você só consegue sentar para escrever com tudo em ordem, esse texto é pra você; ou melhor, para gente. Agora mesmo escolhi almoçar mais tarde, não sentar com a família, pois estou no meio do raciocínio. Escolhi, decidi, fiquei, mas estou culpada. Como se mil câmeras me filmassem e registrassem implacáveis meus deslizes no ideal familiar, maternal, feminino. Eu deveria ser mais feliz almoçando com minha família do que escrevendo?

Talvez não dê tempo. Dará. Por que o tempo existe e não está condicionado a projeto nenhum, de ninguém, de nada. O tempo existe e dará tempo. Não me falta tempo. me faltam acontecimentos movendo meus ponteiros em direção aos meus sonhos. Não me falta relógio, me falta bússola.

De um tempo para cá, tenho feito o exercício da auto-análise toda vez que fico pensando coisas como: eu seria mais feliz se minhas almofadas combinassem com o tapete? Ou se eu fosse capaz de decorar melhor ou pagar caro para que alguém o faça. Desse exemplo que acabei de citar, sobram algumas conclusões: eu gosto de pensar na decoração da casa; gosto de combinar as cores, fazer pequenos projetos, imaginar a casa bem aconchegante. Mas, nem sempre. Às vezes, em alguns períodos, eu realmente não me importo com isso. Verdadeiramente, não me importo. Então, porque mesmo nesses momentos em que eu não estou com isso no foco, o furo no tapete parece uma falta de higiene minha? Porque o tapete, a louça, a casa, se confundem tanto com o meu corpo? E eu sou tão cruel com meu corpo? Por que eu tenho sensação de fracasso ao terminar o dia com a casa revirada mesmo que eu tenha dado aulas, feito reuniões, escrito livros, artigos, conversado longamente com a minha filha, etc?

Esses dias estava num post e fiz um comentário que desagradou um machistinha. Ele me soltou a boa e velha: vai lavar uma louça. Naquele dia, ao invés da raiva, senti tristeza. Por finalmente perceber que aquele sujeitinho era uma voz coletiva, insistente e milenar. Essa voz, vai lavar uma louça é uma ordem de comando de bagunçar meu tempo-bússola e deslocar o caminho do meu desejo para o desejo social. Talvez não dê tempo. Especialmente se eu não me apressar em calar as vozes que vêm de quase todas as imagens de família veiculadas; que vem de amigos, namorados, maridos, pais, mães, avós, novelas, séries, anúncios, fotografias, nostalgias confusas…

Lavar a louça antes de dormir, arrumar a casa antes de começar o trabalho, não conseguir se concentrar se tiver poeira na mesa. Será que isso é meu? Será que eu sinto mesmo essas necessidades? Será que isso é seu? Será que você sente mesmo essas necessidades? Ou será que é a tal voz do machistinha, soprando mansa no seu ouvido, soprando desde sempre, atrasando seu desejo?

É altamente satisfatório que nos mantenham na linha. Deles. E se eu não souber voltar para a minha linha, a verei passar diante dos meus olhos. Estarei presa na linha do tempo deles. Sem acontecimento, nem desejos, nem conquistas. A vida não dará tempo se a gente não consegue nem perceber onde ela começa.

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