Sempre que se pensa na condição da criança, o senso comum nos remete a ideias relacionadas à inocência, ingenuidade, entre outros substantivos frequentemente atrelados à imagem da infância. Contudo, as concepções de infância têm se transformado no decorrer dos processos históricos, sendo a vida familiar e a vida escolar as principais instâncias responsáveis pela compreensão da infância na idade moderna[1]. Ocorre que o percurso do tempo e do espaço e o gradativo acesso aos meios de informação, bem como, as alterações políticas e econômicas, vêm trazendo modificações à concepção contemporânea de infância.

Após a disseminação dos meios de comunicação, o público infantil passou a ser alvo dos veículos midiáticos, seja através do estímulo ao consumo, seja por meio da exposição imagética da criança em campanhas publicitárias ou programas de televisão[2]. A crescente exposição das crianças a conteúdos propagados na mídia atual, promove uma erotização precoce da criança, o que pode ocorrer por influência dos estímulos eróticos que os meios de informação produzem ou pela permissividade com que esses estímulos chegam as crianças[3].

Tais fatos podem comprometer, gravemente, o processo de educação sexual do indivíduo em formação, o qual ocorre durante toda a vida do indivíduo, desde o seu nascimento e dele participando os sujeitos que convivam com a criança[4]. Diante desse quadro, onde a criança não apenas passa por um processo de erotização precoce, mas como está sujeita às influências dos coadjuvantes de seu desenvolvimento, é necessário que exista um mediador, o qual auxiliará a criança a lidar com esses estímulos, de forma a contornar situações que possam comprometer o desenvolvimento de sua própria sexualidade.

Para Andreza Marques de Castro Leão, os veículos midiáticos têm assinalado as bases tecnológicas de transmissão de informações, influenciando fortemente a sociedade e, com relação às questões sexuais, não poderia ser diferente. Veículos de entretenimento que contemplam a sexualidade e seus conteúdos têm ganhado cada vez mais espaço e, consequentemente, influenciam a forma como os indivíduos encararão a própria sexualidade[5].

Rosa Maria Bueno Fischer, por sua vez, aponta que a mídia é responsável por instituir imperativos de beleza, juventude e longevidade, ditando regras aos corpos dos indivíduos, os quais são conclamados a serem magros, atletas, belos, saudáveis etc. De igual forma, a mídia expõe, de forma compulsiva, conteúdos tidos como sexuais, expostos aos sujeitos como verdades absolutas, o que, por certo, influencia as crianças em pleno processo de desenvolvimento da sexualidade, podendo causar consequências desastrosas, como a disseminação das sexualidades tidas como aceitas e, sobretudo, a erotização da infância. Segundo Leão, a mídia “erotiza precocemente as crianças e banaliza o sexo”[6].

Os elementos midiáticos a que se expõem as crianças são responsáveis por instigar a erotização das crianças, as quais, por estarem em tenra idade, não possuem a compreensão necessária para administrar as informações que lhes são expostas, podendo prejudicar o comportamento das mesmas e, até mesmo, comprometer o processo de desenvolvimento global do indivíduo em formação[7]. Figueiredo [8] ainda ressalta que diversos dos programas televisivos assistidos por crianças trazem mulheres desnudas em poses sexuais que, aos olhos das crianças, podem representar sujeitos a serem imitados, acarretando profundas transformações no modo da criança se vestir, falar ou se comportar, o que, por vezes, passa despercebido pelos pais ou responsáveis.

Atrelado a esses meios de comunicação, as crianças ainda estão expostas às influências oriundas da mídia digital e impressa, seja através de jornais, revistas, outdoors e na própria internet, onde a erotização da infância, muitas vezes, funciona como propulsor da venda de produtos[9]. Diante desse quadro, o ambiente escolar desponta como propício para se promover a criticidade da criança, um ambiente onde a mesma pode desenvolver seu pensamento crítico e melhor enfrentar os impactos negativos que os meios midiáticos podem causar em seu processo de desenvolvimento.

A educação sexual, assim, possui papel fundamental, sendo responsável pela atenuação dos impactos negativos gerados pelos apelos eróticos midiáticos, os quais geram danos na formação da criança[10]. Através da educação sexual, a criança pode questionar e debater assuntos atinentes à sexualidade, sendo uma importante fonte de reflexão.

Na contemporaneidade, a educação sexual vem sendo alvo de intensos debates, especialmente ao final do século XX, quando passou a ser o foco de professores, médicos, psicólogos, pesquisadores e órgãos governamentais, ganhando ainda mais notoriedade no Brasil em meados dos anos 1990, quando os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) propuseram a inclusão desse tema como conteúdo transversal [11]. Contudo, é preciso ressaltar que além da educação sexual provida no ambiente escolar, a criança está sujeita a uma vertente de educação sexual não intencional, realizada pela família, pela cultura a qual pertence ou pela sociedade em que está inserida[12].

Essa educação sexual informal se institui de diferentes discursos, com influências religiosas, midiáticas e culturais e podem influenciar a construção dos valores morais e sexuais de um indivíduo ao longo de sua formação[13]. Assim, a educação sexual escolar, mais do que um atenuante dos impactos negativos dos estímulos midiáticos, funciona, também, como mediadora entre a sexualidade da criança e a educação sexual que a mesma recebe em casa, a qual, muitas vezes, é pautada em dogmas e preconceitos.

A escola é responsável por educar os indivíduos sexualmente não só por meio de programas sistematizados e formalizados, mas pela forma como estrutura e organiza suas atividades diárias[14]. O autor ainda esclarece que algumas das escolas brasileiras permanecem omissas quando o assunto é educação sexual e, algumas tratam a temática de forma tímida e limitada. Em nossas escolas, ora a educação sexual é tratada apenas sob o caráter biologizante, ora pelo psicológico, restringindo-se a poucas horas de aula distribuídas em disciplinas isoladas, ignorando-se aspectos sociológicos, políticos, econômicos, históricos, religiosos e culturais [15]

Além dessa problemática, ainda há o problema de que muitos educadores não se sentem aptos a tratar da educação sexual no âmbito escolar, fazendo do assunto um verdadeiro tabu, estando sujeitos aos estereótipos e preconceitos perpetrados pelo senso comum[16]. Ocorre que, diante do atual cenário, onde as crianças são frequentemente erotizadas e onde estão em contato com estímulos que podem comprometer o desenvolvimento da sexualidade, podendo levar a uma precoce sexualização, acredita-se que um trabalho pedagógico bem elaborado, voltado à educação sexual na escola infantil pode contribuir, positivamente, para o desenvolvimento da criança, haja vista que a sexualidade está presente desde o nascimento do indivíduo e faz parte de seu desenvolvimento global.

Para Suplicy (1999), a criança que recebe orientações acerca da sexualidade, possui maior capacidade de compreender e adquirir responsabilidades sobre o próprio corpo, a própria saúde e a própria higiene e precisa ser trabalhada sempre que sobrevierem situações de cunho sexual que condicionem o espaço para o esclarecimento. Um exemplo de situações que suscitam esclarecimentos, são os pseudonamoros entre as crianças, os quais se tratam de brincadeiras pautadas na imitação, quase sempre, de  comportamentos estereotipados, já construídos, oriundos de representações sociais a que as crianças são expostas[17]. Esses jogos infantis devem ser utilizados pelos educadores para promover o pensamento crítico entre as crianças, especialmente, do pensamento crítico acerca dos papeis sexuais na atualidade, fator de grande relevância para o desenvolvimento pedagógico e humano dos indivíduos em formação.

O trabalho pedagógico relativo à educação sexual deve ser emancipatório, ou seja, comprometido com a promoção da autonomia do educando, visando a superação de padrões de comportamentos estereotipados, a superação de preconceitos e dogmas, através da compreensão histórica e cultural dos mesmos[18]. A falta de informação e a incitação às práticas sexuais precoces impactam negativamente o desenvolvimento infantil, podendo comprometer até mesmo a capacidade de aprendizado da criança, assim, é de extrema relevância que crianças em idade escolar usufruam de um ambiente acolhedor, onde possam aprender sobre os mais variados assuntos acerca da própria sexualidade, os quais devem ser ministrados de acordo com o nível de entendimento das mesmas para a obtenção de melhores resultados[19].

Para Foucault (1988), a sexualidade humana é fruto de uma construção social, ou seja, a sexualidade do indivíduo deriva das mais variadas influências que ele se submete ao longo de sua vida. Essas influências externas se mostram ainda mais relevantes no curso da infância, onde a criança está passando pelas primeiras etapas do desenvolvimento de sua sexualidade, submetendo-se a influências daqueles que a cercam (pais, professores, parentes, etc.), bem como, das informações a que a mesma é exposta por meio dos meios de comunicação.

É certo, ainda, que a mídia vem contemplando a sexualidade de forma intensa e bastante ostensiva e, a forma como essas informações sexualizadas chegam às crianças acabam por submetê-las a um processo precoce de maturação sexual. Esses estímulos imagéticos sexualizados não contribuem para o desenvolvimento infantil, mas instigam a erotização da infância, denunciando a importância de se empregar uma educação sexual de qualidade, onde essas questões possam ser problematizadas, levando o educando ao desenvolvimento de seu pensamento crítico.

A educação sexual escolar necessita, igualmente, levar em consideração o contexto dos alunos e, os assuntos relacionados à sexualidade devem ser discutidos de forma natural, em conformidade com as necessidades que a turma apresenta, objetivando uma compreensão infantil gratificante das questões correlatas à sexualidade. Para que as iniciativas de educação sexual na infância sejam concretizadas, é necessário que o corpo docente esteja preparado para lidar com os desafios que possam surgir, abandonando preconceitos e visões de mundo distorcidas ou estereotipadas no que tange à sexualidade.

As crianças são seres em pleno desenvolvimento que apresentam uma curiosidade bastante exacerbada, dessa forma, a educação sexual se mostra essencial para que essas crianças saibam enxergar os estímulos a que são expostas, de forma crítica o que, consequentemente, resultará em uma formação integral e significativa.

 

Jéssica Asencio Figueiredo. Graduada em Matemática e em Pedagogia com especialização em Neurociência. Trabalho na área da educação lecionando para alunos do Ensino Fundamental de 9 anos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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LEÃO, A. M. C. Estudo analítico – descritivo do curso de pedagogia da Unesp Araraquara quanto a inserção das temáticas de sexualidade e orientação sexual na formação de seus alunos. 2009. 343 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras, Araraquara, 2009.

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NUNES, C; SILVA, E. A educação sexual da criança: subsídios teóricos e propostas práticas para uma abordagem da sexualidade para além da transversalidade. Campinas: Autores Associados, 2000.

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Araraquara: FCL/Laboratório Editorial/UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica Editora, 2001, p. 141-170.

SUPLICY, M. Papai, mamãe e eu: desenvolvimento sexual da criança de zero a dez anos. São Paulo: FTD, 1999.

Notas

[1] MÜLLER, 2006

[2] FIGUEIREDO et al., 2007; MÜLLER, 2006.

[3] FIGUEIREDO et al., 2007.

[4] SUPLICY, 1990.

[5] LEÃO, 2009.

[6] 2009, p. 307,

[7] FIGUEIREDO et al., 2007.

[8]  et al., 2007.

[9] FLORES et al., 2007.

[10] LEÃO, 2009.

[11] RIBEIRO, 2004.

[12] RIBEIRO, 2004.

[13] MAIA; RIBEIRO, 2011.

[14] LEÃO, 2009.

[15] FIGUEIRÓ, 2009.

[16] SENATORE; RIBEIRO, 2001.

[17]  NUNES; SILVA, 2000.

[18] GARCIA, 2005.

[19] LEÃO, 2009.