Uma das series mais assistidas na ultimas semanas pela mega plataforma de streaming Netflix, Emily em Paris é tomada pelos clichês, pouco dialoga com a realidade das mulheres que habitam as grandes metrópoles e apresenta a dinâmica do viva para postar ou poste para viver, não como um problema, mas como um modelo comportamental que deve ser seguido.

Como em toda crítica de filmes ou séries não é possível abordar todos os temas que compõe uma produção narrativa, vamos nos atentar a um dos aspectos principais abordados ao longo da série e que julgamos ser um dos mais relevantes na condição global em que nos encontramos atualmente.

Emily tem aquelas qualidades que são almejadas por muitas mulheres: larga toda sua estabilidade emocional para agarrar uma incrível oportunidade profissional, além disso, persiste com suas ideias e propostas inovadoras na empresa até conseguir ser vista com credibilidade e respeito pelos colegas de trabalho, os “temidos parisienses”.

Apesar disso, a queridinha do momento também tem comportamentos e atitudes bem problemáticas. Ficou claro, por exemplo, que a sororidade passou longe da nossa protagonista (a personagem Camille que o diga). Sem contar todos os estereótipos e clichês sobre os franceses presentes na série, que estão dando muita repercussão negativa. Mas os problemas das redes sociais, estes sim, estão na série para esfregar em nossas caras os hábitos e comportamentos que já passaram da hora de serem revistos.

Nada de novidade né, gente?  A Emily está dentro daquele padrão estético que estamos bem cansadas de ver, por isso, nem vou me dar ao trabalho de discutir o assunto; ela é estilosa e sempre está com um visual que parece tentar provar sua autenticidade diante de uma megacidade com milhares de habitantes, como Paris, e além disso, a protagonista é uma influencer digital, a profissão do momento. Como não admirar uma pessoa que tem mais de 20 mil seguidores no Instagram? Como não gostar de clicks do cotidiano tão originais como os postados pela nossa protagonista? Afinal, a narrativa da série nos mostra que Emily conseguiu seu grande número de seguidores postando conteúdos que fogem dos padrões de perfis narcisistas, (aqueles que só tem fotos da pessoa em todos os ângulos possíveis) o que aparenta ser o caso das outras influencers retratadas.

Não é possível negar todas as facilidades que um celular conectado com a internet proporciona ao longo do dia, essa não é intenção aqui, e muito menos menosprezar a importância das redes sociais quando falamos de acesso à informação e troca de relações entre os usuários.

Para além de suas facilidades, alguém percebeu o tempo em que Emily passa olhando para telinha do celular? Toda refeição é postada em sua rede social, todos os lugares visitados são exibidos, as pequenas belezas do dia a dia foram transformadas em likes de seguidores. A série chega até a confundir o espectador sobre o quanto aquele momento que nossa protagonista está vivendo é verdadeiro. Não seria aquele momento uma série de recortes com bons ângulos para serem postados nas redes sociais? Como na cena em que Emily e Mindy estão supostamente tendo um encontro de amigas e, no entanto, o que elas mais fazem é postar fotos na internet.

O telespectador que assiste a cena tem a impressão de que as fotos que elas publicam parecem muito mais verdadeiras e interessantes que a vida real. Quando observamos Emily e Mindy juntas em uma noite de diversão, percebemos que muitos instantes são criados especialmente para serem postados em redes sociais. Bora dar uma rolagem no feed de notícias do seu Instagram? Como a vida é mais interessante por ali, né? E pasmem, como a série foi fiel a realidade, afinal, quem já não teve a sensação de que, em um encontro de amigos, muitos da turma estavam mais preocupados com as redes sociais do que com o momento, e sim, isso foi vendido como um comportamento legitimo pela série.

Diante do atual momento em que vivemos, no qual muitos ainda se encontram em casa (sim, ainda tem gente cumprindo a quarentena) tendo contato com amigos e familiares apenas por redes sociais e observando o mundo lá fora usando apenas os recortes e filtros alheios, a dinâmica viva para postar e poste para viver não parece a forma mais coerente de abordar e normalizar as relações dos indivíduos com as redes sociais, embora ela seja muito presente nessa e em diversas séries e filmes. Ao que parece, não adianta esperar uma diminuição do bombardeio de propaganda pelos algoritmos, ou algum tipo de marco regulador de fato substancial proposto pelos governos e aceito pelos grandes impérios das mídias sociais. Por enquanto, o que nos resta é tentar lidar de forma mais efetiva, racional e prática com nossos próprios incômodos.

Emily em Paris vende o comportamento de dependência pelas redes sociais, artificialização da vida, e submissão aos algoritmos como natural, chegando a mostrar para a telespectadora que todo esse comportamento é um modelo a ser seguido. Em um momento em que parte da população mundial começa a se atentar ao quanto pode ser negativo para manutenção da saúde emocional o vício em redes sociais, apresentar uma personagem que passa a maior parte de seu dia montando sua imagem ideal no Instagram é no mínimo uma grande indiferença da Netflix e  produtores da série ao que está acontecendo no mundo real.

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