Um post no Facebook dizia: “Cultura do estupro existe sim, e o apelido dela se chama funk”.

Não leia os comentários. Não leia os comentários. Não leia os comentários. Li.

Participo de diversos grupos no Facebook, normalmente escolho em quais entrar por indicações de amigos ou por interesse mesmo. Nesses grupos encontro pessoas de todos os lugares, gostos e opiniões. Porém, mesmo assim não é difícil deduzir quais são as discussões dos grupos feministas, dos de cinema e dos de decoração… Pelo menos era o que parecia. Para minha surpresa, foi em um grupo de humor onde encontrei esse post que atrelava diretamente a cultura do estupro ao funk.

O meme preconceituoso sobre funkeiros foi seguido de uma chuva de comentários e mais memes ofensivos. A defesa do ritmo carioca acontecia em peso, com argumentos embasados, até que alguém levantou o ponto: 

 “Defende o funk e depois reclama que estupram as novinhas”, dizia o comentário. Junto a ele, uma imagem que fazia referência a um caso famoso de estupro coletivo que aconteceu em 2016 no Rio de Janeiro envolvendo mais de 30 estupradores e uma menina de 16 anos. 

Parecia que todos os argumentos sobre preconceito e representatividade tinham sumido e, paralelamente, aquele comentário ganhava cada vez mais curtidas. Na hora isso me lembrou de uma música do Cidinho e Doca:

Porque tudo que acontece no Rio De Janeiro

A culpa cai na conta dos funkeiros 

E se um mar de rosas vira um mar de sangue 

Você pode ter certeza vão botar a culpa no funk

É estranho ver todo esse preconceito com nome, sobrenome e foto. Culpar um ritmo por atos criminosos é no mínimo ingenuidade. 

Não é de hoje que o funk é apontado como o responsável pela violência do Rio de Janeiro, e mesmo agora, estando presente em todas as festas da parte rica da cidade, isso não mudou. Fica claro que o problema não é onde o funk está, e sim onde ele surgiu. Afinal, é o movimento da baixada fluminense, dos morros e principalmente dos pobres.

Mas e a violência contra a mulher? Realmente esse movimento cultural suporta e difunde a cultura do estupro?

Certamente cada letra machista, cada frase sexista e cada artista que representa a mulher como um objeto sexual devem ser combatidos, pois a violência contra a mulher não pode ser normalizada. Infelizmente, todos os ritmos têm músicas machistas. O motivo é bem simples: porque nascem dentro de uma sociedade com esses valores. Assim, é incoerente crucificar somente a massa funkeira se o problema é bem maior.

O funk é explícito e isso choca.  Mas as letras “poetizadas” podem também divulgar mensagens de ódio. O curioso é que não são acusadas de “cultura criminosa”. 

Noel Rosa em 1932 escreveu “Mas que mulher indigesta // Merece um tijolo na testa”.

Zeca Pagodinho em Faixa Amarela ameaça: “Mas se ela vacilar, vou dar um castigo nela // Vou lhe dar uma banda de frente // Quebrar cinco dentes e quatro costelas”.

Vinicius de Moraes em Minha Namorada condiciona “Você tem que me fazer um juramento // De só ter um pensamento // Ser só minha até morrer // Você tem que vir comigo em meu caminho // E talvez o meu caminho seja triste pra você”.

Até os Beatles em Run For Your Life afirmam que preferem que a mulher morra ao vê-la com outro “You better run for your life if you can, little girl // Hide your head in the sand, little girl // Catch you with another man // That’s the end, little girl” (em português: “É melhor você correr por sua vida, se puder, garotinha // Esconda sua cabeça na areia, garotinha // Te pego com outro homem // Esse é o fim, garotinha”).

A cultura funk não é machista, a sociedade é. Assim como em outros ritmos, é muito importante problematizar e combater as letras que diminuem as mulheres, porém, todo esse processo não pode se dar às custas da deslegitimação do funk. É importante saber contra quem estamos lutando. Afinal, a luta é contra o preconceito, não contra o funk. Seguimos atentas a toda e qualquer mensagem que reforce a violência contra a mulher, seja no funk, no jazz, na bossa nova, sertanejo e tantos outros ritmos.

É por isso que dá sim para ser feminista e funkeira.  

Segue o baile.

 

Mariane Sanches Duarte. Publicitária e especialista em marketing digital. Cria da Baixada Fluminense/RJ, apaixonada por cultura, arte e comunicação.
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