Junho é conhecido como o mês do orgulho LGBTQIA+ e a escolha não foi feita ao acaso.Precisamente no dia 28 de junho de 1969 no bairro Village na cidade de Nova York, frequentadores do bar Stonewall Inn, ponto de encontro da comunidade LGBTQIA+ iniciaram uma revolta reivindicando atenção aos ataques sofridos e maior visibilidade após uma lésbica sofrer agressão de um policial no local. Esse foi o ponto de partida para que o ativismo pelos direitos LGBTQIA+ ganhasse o debate público e fosse às ruas A revolta de Stonewall é considerada o marco do movimento de libertação gay e à luta pelos direitos LGBTQIA+ nos EUA e no mundo. Um ano depois aconteceria a 1° Parada do Orgulho LGBTQIA+.
No Brasil o movimento LGBTQIA+ começou a se desenvolver em meio a ditadura militar na década de 70 por meio de publicações alternativas como os jornais Lampião da Esquina (1978) e ChanacomChana (1981) esse último comercializado ilegalmente no Ferro´s Bar, frequentado por lésbicas no centro de São Paulo. Em 1983 os donos do Ferro´s expulsaram as lésbicas do local devido a venda não autorizada do jornal. O episódio, conhecido como Stonewall brasileiro, ocorreu no dia 19 de agostos do mesmo ano, quando lésbicas, feministas e ativistas LGBTQIA+ fizeram um ato político contra a proibição da venda do jornal. A venda foi liberada e de lá pra cá muitos direitos foram conquistados, mas ainda há um longo caminho para que a comunidade LGBTQIA+ possa, de fato, se sentir respeitada e em nível de igualdade de direitos perante a sociedade atual.
No campo literário não é diferente já que literatura teve e tem um papel importante como forma de resistência contra a tentativa de silenciar essas vozes. Personagens LGBTQIA+ estão presentes na literatura há séculos. Moby Dick (1851) com seus simbolismos homoeróticos e o jagunço homossexual Riobaldo em Grande Sertão:Veredas (1956) são alguns exemplos, porém observamos na última década o surgimento de autores LGBTQIA+ escrevendo sobre o universo LGBTQIA+, afinal nada melhor do que escrever sobre aquilo que vivemos e conhecemos. O termo Literatura LGBTQIA+ é alvo de discussões entre os autores. Alguns consideram que a utilização deste termo acaba compartimentando e isolando a obra e o autor e que o uso de Literatura com temática LGBTQIA+ seria o termo mais adequado e abrangente.
Para visibilizar a literatura com temática LGBTQIA+ abaixo segue uma lista com obras nacionais e internacionais sobre o tema.
Boy Erased: uma verdade anulada (2019), de Garrard Conley
Filho de um pastor em uma pequena cidade no Sul dos EUA, o autor relembra o período em que foi submetido a um programa de conversão que prometia a cura da homossexualidade. Na tentativa de agradar a família e a sociedade ele quase destruiu uma parte de si mesmo e conta como foi longo o caminho em busca do autorresgate e autoaceitação. Hoje é ativista LGBTQIA+ e luta contra as terapias que prometem a cura da homossexualidade.
Boy Erased. Uma Verdade Anulada
Morangos Mofados (1982), de Caio Fernando Abreu
Coletânea de contos que se entrelaçam falando sobre amor, angústias, perdas, encontros, desencontros, medo em tom confessional num país que ansiava por redemocratização frente a um regime ditatorial falido. Dividido em três partes, Mofos faz referência a vivência em um regime militar, a desumanização dos personagens e a supressão da liberdade de ser. Na segunda parte, Morango, os personagens parecem estar em busca de si mesmos e não correndo contra a própria identidade. Na última parte, que dá nome ao livro, um único conto une Mofos e Morangos com dois homens assumindo a própria sexualidade para um final que só lendo o livro para saber.
O fim de Eddy (2018), de Édouard Louis
Narrativa autobiográfica angustiante sobre a trajetória de um garoto que cresceu em uma comunidade conservadora e preconceituosa no interior da França. “Todas as manhãs, enquanto eu me arrumava no banheiro eu repetia a mesma frase, sem parar tantas vezes que ela terminaria por perder o sentido passaria a não ser mais do que uma sucessão de sílabas, de sons. Eu parava e retomava a frase: Hoje eu vou ser um durão…”
Amora (2016), de Natália Borges Polesso
Livro de contos vencedor do prêmio Jabuti que giram em torno de relacionamentos lésbicos, medos e descobertas.
Chelsea Girls (1994), de Eileen Myles
Misturando humor e drama e dividido em episódios curtos o livro é um retrato íntimo das transformações ocorridas na vida da autora e na tumultuada década de 70 em Nova York.
O ano em que morri em Nova York (2017), de Milly Lacombe
Com viés autobiográfico o livro narra a história da mulher que se assume tardiamente e luta pela aceitação da família, dos amigos e da sociedade. O casamento feliz com a mulher que ama entra em conflito quando ela desconfia ter sido traída. Em dúvida se realmente houve a traição ou se o relacionamento é que estava desmoronando a personagem mergulha em altos e baixos aprendendo sobre autoconhecimento e amor próprio. Já fizemos uma resenha do livro aqui no blog, confira.
O Ano em que Morri em Nova York
Todos nós adorávamos caubóis (2013), de Carol Bensimon
Um road book que conta a história das amigas Cora e Júlia, amantes na faculdade, que se reencontram anos depois e decidem fazer uma viagem planejada na adolescência. Forasteiras dentro do próprio país, misturando passado e presente, elas precisam lidar com os seus conflitos particulares buscando descobrir as próprias identidades.
As regras não se aplicam (2018), de Ariel Levy
Questionando o modo como mulheres da sua geração são criadas para lidar com as questões relacionadas ao amor, trabalho, família, sociedade e relacionamento a autora faz um relato autobiográfico sobre a como pode ser frustrante a tentativa de se enquadrar em determinados padrões impostos pela sociedade.
BR-Trans (2016), de Silvero Pereira
Relato de fragmentos coletados pelo autor/ator durante o processo de pesquisa cênica para a peça BR-Trans onde esteve em contato com travestis, transformistas e transexuais nas casas de shows de Porto Alegre. Unindo também a própria vivência, o livro é um retrato da vida trans no Brasil. Prefácio de Jean Wyllys.
E se eu fosse pura (2016), de Amara Moira
Doutora em Letras e prostituta em Campinas, Amora faz um relato autobiográfico trazendo trechos de um blog, estilo diário, sobre a sua transição e da vida como profissional do sexo em Campinas. Como ela mesma diz é um relato da ‘travesti que se descobre escritora ao tentar ser puta e puta ao bancar a escritora’. Com trechos bem humorados ela traça as dificuldades e preconceitos diários enfrentados por prostitutas, travestis e transexuais ao mesmo tempo em que narra as suas impressões durante o seu processo de transição. Comprando direto com a autora via Instagram o livro vem autografado. É importante destacar que o livro se chamava inicialmente “E se eu fosse puta”, foi relançado como “E se eu fosse pura”.
Vidas Trans: a coragem de existir (2017), de Amara Moira, João W. Nery, Márcia Rocha e T. Brant
Na obra, os quatro autores e autoras trans relatam o sentimento de inadequação, descobertas, preconceitos e aflições desde o momento em que se identificaram como transexuais até o momento de transição e a liberdade decorrente de suas escolhas.
Vidas Trans: a Coragem de Existir
Argonautas (2015), de Maggie Nelson
Uma autobiografia onde o tema central é o relacionamento da autora com Harry Dodge, artista visual de gênero fluido com quem tem um filho.
A resistência dos vaga-lumes (2019) organizada por Cristina Judar e Alexandre Rabelo
É uma antologia de contos e poemas escritos por 61 autores LGBTQIA+ que celebram as diferentes formas de ser e amar.
Middlesex (2002), de Jeffrey Eugenides
Vencedor do Pulitzer 2003 e cheio de referências literárias o livro conta a história de Cal nascido como Calíope que ao tentar descobrir porque nasceu diferente de suas amigas inicia uma investigação que revela segredos de família e uma história de mutações genéticas ao longo de três décadas.
Boa leitura!
Adorei o texto e as indicações!! Obrigado 🌻