Tina Fey e Amy Poehler no Globo de Ouro.

Em 2015, as comediantes Tina Fey e Amy Poehler apresentaram o Globo de Ouro, que premia diretores, roteiristas e atores do cinema e da televisão americana, sendo considerado a principal prévia do Oscar. Durante o evento, as apresentadoras brincaram com a atriz Patricia Arquette, indicada a melhor performance por seu papel no filme Boyhood: “ainda há ótimos papéis para mulheres com mais de 40 anos, desde que você seja contratada antes dos 40”. A piada, muito apreciada pelo público, chamava atenção para o fato de o filme ter sido rodado ao longo de doze anos e para a ausência de oportunidades para mulheres de 40 ou mais na indústria de Hollywood.

Na esteira dos movimentos #MeToo, #TimesUp e #OscarsSoWhite, os estúdios de cinema têm sido cada vez mais alvo de críticas de mulheres e muitas se utilizam do espaço nas premiações para criticar o machismo do meio. Foi histórico, por exemplo, o discurso de Frances Mcdormand, 63, ao receber a estatueta de melhor atriz no Oscar em 2018 por Três Anúncios Para Um Crime. Ela surpreendeu ao pedir que todas as mulheres indicadas, atrizes, roteiristas, figurinistas, etc., se levantassem, causando comoção na plateia. Ainda chamou atenção para o fato de que mulheres devem ser convidadas a chefiar projetos, ocupando cargos de comando no entretenimento, e não apenas depender de convites de homens para atuar em seus filmes. Com ironia, comentou que muitos homens se aproximam de mulheres nas festas do Oscar, mas poucos se lembram de procurar por elas com ofertas de trabalho no dia seguinte.

Atriz Frances McDormand

Frances McDormand

 

Cada vez mais, a voz de mulheres experientes na indústria tem feito diferença por meio de discursos, manifestos, artigos e entrevistas. Elas têm insistido que se mulheres de 40 desejam mais espaço nas telas é preciso garantir um maior número de diretoras de filmes – a indústria é toda dominada por homens com um olhar machista sobre o envelhecimento. Quem sabe mulheres na direção possam ser mais sensíveis à questão da idade de suas protagonistas. Sendo parte desse esforço de atrizes americanas por mais diversidade etária, a atriz Anne Hathaway concedeu entrevista à revista britânica Glamour denunciando o preconceito, pois, aos 32, já perdia papeis por conta da idade. Nem mesmo o Oscar recebido por Os Miseráveis lhe serviu de garantia. Segundo a atriz, ela passou a perder sistematicamente trabalhos para mulheres dez anos mais jovens. Nos processos de escalação de elenco é comum encontrarmos mulheres de 20 anos interpretando personagens com perfil etário mais elevado. É o caso da escolha de Jennifer Lawrence para interpretar Joy Mangano no filme JoyO Nome do Sucesso, dirigido por David O. Russell. A atriz dá vida a uma personagem real: a inventora de um esfregão milagroso para limpeza de casa, que tinha mais de 30 anos quando criou o utensílio, 10 anos a mais do que a idade de Jennifer Lawrence no período das filmagens. A mesma Jennifer Lawrence foi premiada com o Oscar por seu trabalho em O Lado Bom da Vida, em que faz par romântico com Bradley Cooper, 15 anos mais velho que ela.

A constituição de pares românticos com atores mais velhos do que as atrizes, às vezes bem mais velhos, é muito mais comum do que o contrário em Hollywood. Chega a ser tão comum que o público nem se dá conta; não é uma questão. Vozes têm se insurgido contra esse fato. É o caso da atriz e roteirista britânica Emma Thompson, que tem falado publicamente do assunto, buscando problematizar o que chamou de desequilíbrio sintomático. Em entrevista ao podcast CultureBlast, em 2018, demonstrou toda sua insatisfação e incômodo com a situação, pois tornou-se praxe no cinema que um homem tenha a seu lado um par 20, 30 ou 40 anos mais jovem, o que dificulta que mulheres com mais idade possam atuar em filmes românticos e contribui para a criação de um estereótipo de casal feliz.  A atriz Maggie Gyllenhaal, conhecida por suas atuações em filmes como o Sorriso de Monalisa e Batmano cavaleiro das trevas, também se manifestou sobre o tema ao relatar que foi rejeitada para um papel e ouviu de um produtor que, aos 37, era velha para ser par romântico de um homem de 55. Essas declarações, dentre tantas outras ao longo dos últimos anos, têm pautado o tema da representatividade etária, dando a ele destaque semelhante aos escândalos de disparidade salarial em Hollywood.

A série Undoing que estreou em 2020, na HBO, traz duas estrelas de cinema nos papeis principais: Hugh Grant e Nicole Kidman. Subvertendo a lógica dominante, eles formam um casal maduro na série e são atores de idades aproximadas – Nicole Kidman tem 53 e Hugh Grant tem 56. Chama atenção, contudo, que o ator se mostra ao natural, com a pele enrugada e cabelos brancos, e Nicole Kidman aparece com o rosto visivelmente mexido por procedimentos. Não cabe aqui julgá-la por suas escolhas ou sua aparência, até porque a atriz tem sido alvo de ofensas nas redes sociais pelo excesso de cirurgias plásticas e devemos ser solidárias a mulheres que sofrem ataques. Trata-se apenas de constatar que o galã cinquentão é uma figura prestigiada em Hollywood, haja vista a velhice charmosa de George Clooney, Brad Pitt e Hugh Grant, enquanto mulheres nessa faixa etária sentem-se ameaçadas pela perda de prestígio e recorrem sistematicamente a artifícios para aparentar menos idade e corresponder ao padrão exigido. Mostra-se pertinente discutir os tabus enfrentados por mulheres na indústria de Hollywood: um deles diz respeito a deixar os fios brancos e assumir as rugas do tempo sem tanta cobrança ou medo de não conseguir trabalho.

Uma questão também atual é a baixa presença de mulheres de 40 ou mais nas listas de premiações anuais do cinema. Em 2020, o Globo de Ouro voltou a ser novamente palco de reflexões acerca da representatividade etária. Renée Zellweger recebeu o prêmio de melhor atriz e, em seu de discurso de agradecimento, celebrou estar de volta à cena. A atriz esteve sem trabalhar entre 2010 a 2016 e passou mais de uma década sem receber indicações desde que completou 37 anos. Sua última indicação havia sido em 2004 por seu trabalho em Cold Montain.  Na história do Globo de Ouro, iniciada em 1929, apenas 28 atrizes levaram o prêmio com 50 anos ou mais. Foram 56 homens premiados nessa mesma faixa de idade. Há um vácuo de indicações para mulheres da meia-idade que reflete a escassez de trabalhos e o fato destas não mais obterem papeis de destaque. Tanto que muitas atrizes depois dos 40, tendo recursos, optam por produzir seus próprios filmes em busca de histórias que valham a pena ser contadas. As que não conseguem se tornar produtoras, um contingente significativo, acabam interpretando papeis que não estão à altura de seu talento ou fazendo papeis de mães de homens pouco mais novos que elas ou abandonando a carreira precocemente em função das circunstâncias desfavoráveis.

Acima, cena do filme A força do destino no qual uma mulher está sendo carregada no colo por um ator em uniforme militar. abaixo, a atriz em um evento.

Debra Winger em “A Força do Destino” / Debra em 2017.

 

Há poucas semanas, Debra Winger, protagonista de inúmeros filmes memoráveis nos anos 80, dentre eles A Força do Destino e Laços de Ternura, afirmou em entrevista ao El Pais que parou de trabalhar no cinema aos 40 por se se sentir mal paga e tratada com indiferença. Hoje, aos 65, se dedica a projetos pessoais, de teatro, algumas participações na televisão e diz não se arrepender de suas escolhas. Sempre foi considerada uma atriz difícil aos olhos de Hollywood por sua franqueza nas entrevistas, as denúncias que fazia de maus tratos nas filmagens e a maneira como contrariava expetativas com seu visual fora do padrão. Ainda assim, obteve muito prestígio em sua época, sendo escalada para um papel atrás do outro, até se sentir farta das exigências da indústria, dos julgamentos que recebia e dos roteiros com os quais não tinha afinidade.

Essa fama de “difícil” pode não ter afetado diretamente as oportunidades dadas a Debra Winger, mas as críticas recebidas foram um dos fatores que a fizeram parar de atuar no cinema. Já a atriz Katherine Heigl, 42, mais conhecida por seu papel de Izzi em Grey´s Anatomy, acredita que ter sido rotulada como uma mulher “difícil” a prejudicou muito em sua carreira. Em entrevistas recentes, a propósito de seu retorno como protagonista na série Amigas para Sempre, a atriz assume ter personalidade forte e ter cometido erros, mas salienta que houve exagero nas repercussões e passou a ser perseguida por pessoas que a difamaram e a negaram oportunidades. Ela questionou o que é ser “difícil” e diz ter sido julgada por sempre emitir opiniões. A partir desse episódio, algumas coisas foram ditas a respeito do que é ser uma “mulher difícil” em Hollywood e como isso pode beneficiar a um gênero e prejudicar a outro. De fato, muitos homens, ao longo do tempo, foram descritos como “rebeldes” e “temperamentais”, assumindo uma aura de gênios incompreendidos, dentre eles Marlon Brando, Gene Hackman, Christian Bale e Jared Leto. Para mulheres, o adjetivo usado sempre foi “difícil”, ainda que, muitas vezes, tivessem se envolvido em menos polêmicas do que os nomes citados.

Um estudo painel intitulado “It’s a Man’s (Celluloid) World” (“É um mundo de (celuloides) homens”), realizado em 2019, trouxe o dado de que cerca de 40% dos 100 filmes de grande bilheteria do ano tiveram mulheres como protagonistas, o que representou 31% a mais do que o registrado em 2018, um acréscimo real. O mesmo estudo, porém, apontou problemas que persistem na representatividade etária feminina: as atrizes são normalmente mais jovens que os atores, pois a maioria das personagens femininas tinham entre 20 e 30 anos, enquanto a maioria dos homens foram representados com idades entre 30 e 40 anos. O número de atrizes om mais de 60 anos presentes nessas produções de mais bilheteria, segundo o estudo, é apenas residual.

Os dados, somados aos testemunhos de atrizes, apontam que Hollywood é muito receptiva com atrizes na casa dos 20 anos, sugando-lhes ao máximo, e começa a descartá-las quando chegam aos 30 ou 40.  O fato de que para homens é mais fácil seguir na carreira quando mais velhos, nessa indústria que ama jovialidade e beleza, ressalta o tratamento desigual dado a mulheres e o machismo que acaba por estereotipá-las. Ainda há muito a caminhar em Hollywood, e em tantos outros lugares, a respeito da maneira como o envelhecimento feminino afeta oportunidades de trabalho e abala a autoestima de mulheres em função de cobranças excessivas quanto à aparência e desempenho.

Sigamos denunciando o preconceito e desejando que isso mude!

 

Viviane Dias Loyola. Sou uma mulher de 46 anos, feminista. Formada em publicidade e propaganda, mestre em ciências sociais, professora universitária e pesquisadora de questões de gênero. Tenho pesquisado, escrito artigos, oferecido cursos e palestras acerca da representatividade feminina nas diversas mídias, considerando os recortes das redes sociais, televisão e cinema. Meu insta profissional é @saberesepalestras

 

Referências

Emma Thompson: ‘Why can’t older women have sex on screen with a much younger man?’The Telegraph, 2020. Disponível em: https://www.telegraph.co.uk/news/2020/12/22/emma-thompson-cant-older-women-have-sex-screen-much-younger  Acesso 16/03/2021

Megia, Carlos. A volta de Katherine Heigl, a estrela que Hollywood cancelou por “ser difícil”. El País, 2021. Disponível em: https://brasil.elpais.com/estilo/2021-02-05/a-volta-de-katherine-heigl-a-estrela-que-hollywood-cancelou-por-ser-dificil.html Acesso:12/03/2021

Passos, Úrsula. A vida da mulher com mais de 40 não interessa a Hollywood. Folha de São Paulo, 2020.  Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/02/a-vida-da-mulher-com-mais-de-40-anos-nao-interessa-a-hollywood.shtml Acesso: 16/03/2021

Sanguino, Juan. Debra Winger, a estrela de cinema que preferiu desaparecer antes de ficar invisível. El País, 2021. Disponível em:  https://brasil.elpais.com/cultura/2021-03-04/debra-winger-a-estrela-de-cinema-que-preferiu-desapareer-antes-de-fiar-invisível.html. Acesso 12/03/2021

 

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