A ideia para essa entrevista começou quando eu estava trabalhando no artigo “Digital Má Influencer”, publicado aqui no blog da Não Me Kahlo. O meu intuito era conversar com algumas influencers para embasar o texto e foi assim que entrei em contato com a Liv Teodoro, pela indicação de outra integrante da Não Me Kahlo que a conhecia de um evento que participaram juntas.

Eu adorei conversar com a Liv e curti muito a entrevista. Só que quando transcrevi os áudios da nossa conversa, reparei que conversamos muito mais do que seria possível colocar no texto! Na hora o tempo passou rápido, porque é assim que boas conversas acontecem. Não seria justo deixar que vocês não conhecessem ainda mais a Liv.

Conversamos sobre o papel das influenciadoras digitais, sua perspectiva enquanto influencer negra, como anda a dinâmica das redes nesse atual contexto de pandemia e muito mais. “Esse é um ótimo momento para discutir o quão a gente pode entrar na vida das pessoas, com coisas pequenas e com coisas grandes, mas que é uma responsabilidade assustadora e o quão pode ser ruim se as pessoas não tem noção do tamanho da responsabilidade que carregam”, ela começou me contanto. Confira a entrevista completa abaixo:

NMK: Como você percebe o tamanho do impacto que os influenciadores tem na vida das pessoas?

Liv: É uma responsabilidade muito grande e muito difícil de perceber num primeiro momento. Eu acho que por ser uma mulher preta, não muito acostumada a ser ouvida, quando eu falo e sou ouvida é uma novidade para mim. E esse também é um lugar de novidade quando a gente vai falar de influência. Isso é assustador, uma boa palavra [pra descrever isso] é assustador.

A gente vai percebendo nas pequenas coisas, nas pequenas demonstrações das pessoas, nas coisas que as pessoas falam, e a gente vai tomando conta dessa responsabilidade. Eu vou te dar um exemplo de uma coisa muito legal que aconteceu essa semana. Um pouco antes do carnaval, eu fiz uma tatuagem que está escrito “cultue a deusa que você é”. Eu enfrentei um momento muito difícil com a minha ansiedade, com o meu pânico e sair melhor disso me levou a fazer duas tatuagens. Essa, do “cultue a deusa que você é” e uma outra mais embaixo que está escrito “sustenta”. E eu falei disso nas minhas redes sociais como eu falo de tudo, eu falo da vida e falo para as pessoas que são parecidas comigo não se sentirem sozinhas. E tem uns quinze dias eu recebi uma mensagem de uma pessoa que me segue me perguntando exatamente o que estava escrito na minha tatuagem porque ela ia fazer uma igual. Aí eu respondi mas não botei muita fé, pensei “meu Deus, é uma tatuagem, uma coisa pro resto da vida, é um trem muito sério e eu sou só uma pessoa na internet”. Essa semana eu recebi a foto, a menina fez a tatuagem com a fonte parecida com a minha, no mesmo lugar que eu fiz e me agradeu por ter inspirado ela, por ser pra ela uma inspiração de empoderamento, me agradeceu por ter deixado ela tatuar a frase que eu fiz e eu achei isso muito assustador e muito maravilhoso ao mesmo tempo. Isso mostra a capacidade que a gente tem de influenciar as pessoas.

E eu tenho me dado conta muito recentemente dessa minha capacidade de influenciar. Pelo fato de ser uma pessoa negra e fazer parte de uma comunicação ativista, o meu contato com as marcas é um pouco diferente. Não são todas as marcas que querem estar ligadas diretamente a uma pessoa que é militante, uma ativista. É muito bonito falar em prol de todas, que não fazem diferença de pessoas, mas daí a associar seu discurso a um lado específico da luta, as marcas falham muito nisso e é fácil sentir isso quando você é uma comunicadora ativista. Então, o fato de você não ter o respaldo, o apoio, o incentivo que funciona no mundo, que é o incentivo do dinheiro, demora um tempo a mais para você se sentir “influenciadora de verdade”. Eu hoje sou muito mais feliz com o tipo de influência que eu exerço não sendo a queridinha das marcas de produto de cabelo, mas sabendo que instituições internacionais, sabendo que pessoas que eu admiro, redes que eu admiro me conhecem. Isso, para mim, é muito fundamental, mas demora um tempo para você entender que existem vários tipos de influência que você pode exercer e você precisa escolher qual lado você vai estar. Não é demérito ser uma influência de cabelo, muito pelo contrário. A estética para nós, mulheres negras, é algo fundamental, mas entende-se também que nossa estética vai muito além do nosso cabelo e muito além do que a gente aparenta para o mundo. O empoderamento estético é uma pauta extremamente relevante, mas eu também acho interessante que nós possamos ser influenciadores de outras pautas. Que é o que eu percebo e acho fantástico. Então, eu acho que percebo minha responsabilidade nesse momento, quando eu falo de assuntos considerados mais sensíveis, principalmente por quem patrocina, eu percebo minha capacidade de influenciar pessoas comuns, que são que nem eu, e me dou conta da responsabilidade de ter que fazer isso com muito cuidado e muito tato e ter muita noção do que eu estou falando nas redes.

 

 

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NMK: O que você acha que mudou com a percepção das pessoas sobre a influência no nosso contexto de pandemia?

Liv: Tem seus pontos positivos e negativos como qualquer situação. Eu vejo muito dos pontos positivos as pessoas tento uma às outras como a esperança delas, como o exemplo delas e isso pesa nas pessoas que vão receber essa responsabilidade de ser o ponto de esperança de centenas e dezenas e milhares de pessoas, e eu vejo também o ponto negativo, que é a capacidade de influenciadores e microinfluenciadores tem de formar opinião muito mais que a ciência. Eu sou historiadora, não sou de biológicas ou nada parecido, mas eu tento conversas com as pessoas lendo coisas e assistindo coisas de quem entende e de quem estudou minimamente para isso. Mas eu fico muito preocupada quando eu vejo, por exemplo, casos de influenciadores que, não satisfeitos em não respeitar o que a ciência está dizendo para a gente nesse momento, eles acabam levando outras pessoas a não respeitarem exatamente porque essas pessoas acreditam muito mais neles do que na própria ciência. Isso não é difícil porque eu percebo que as pessoas são altamente influenciadas por aquilo que elas acreditam ser verdade. Então, quanto mais transparente eu sou, quanto mais sem maquiagem eu apareço, quanto mais falando de maneira descontraída, aparecendo em festa, quanto mais apareço desse jeito, mais eu aproximo do “gente como a gente” e é o “gente como a gente” que convence.

Como a gente está com mais tempo para ficar em casa, eu acho que as pessoas vão se aproximar mais do “gente como a gente”. Quem são os influenciadores que essas pessoas já seguiram? Qual o comportamento que esses influenciadores assumiram diante da pandemia? Eles estão me aconselhando a ficar em casa? Eles estão saindo? Eles dispensaram ou não as empregadas domésticas? Isso vai mudando a cabeça das pessoas. Eu, por exemplo, tomei a decisão de ficar bem de olho nas marcas que estão em campanha contra o isolamento social porque eu quero lembrar disso depois da quarentena. Eu tenho falado isso com meus seguidores e tenho recebido um retorno muito grande de pessoas que também estão preocupadas em fazer essa observação de como as pessoas estão lidando com a quarentena, o que elas estão fazendo, como elas estão pensando no seu público. Quanto mais tempo as pessoas ficarem em casa, fora da rotina normal delas, fora das mil preocupações habituais e a gente tem outras preocupações agora, mais essas pessoas vão ter tempo de olhar pra dentro. E olhar pra dentro as vezes pode não ser tão agradável. Nessa repulsa de olhar pra si, as pessoas vão olhar pra quem tá influenciando. E eu acho que outra mudança fundamental é o quão fundo vai esse olhar pra vida de outras pessoas. A gente teve recentemente a separação do Whindersson e da Luiza… as pessoas tão sofrendo como se elas tivessem terminado um relacionamento.

Se antes a gente lidava com gente que admiravam nosso dia a dia, que queriam saber o que a gente tava fazendo, agora a gente pode estar lidando com alguém que além de admirar e além de querer saber o que a gente tá fazendo, não tá conseguindo olhar pra si então a gente vai ser o espelho do que as essas pessoas vão fazer e eu acho que essa é uma mudança fundamental que a gente deve pensar pra ficar mais ligado na nossa responsabilidade.

NMK: Os influenciadores acabam não tendo uma relação tão distante do seu público como os artistas de cinema e TV, por exemplo. Ao mesmo tempo, levam um estilo de vida muito distantes da realidade da maioria das pessoas. Você percebe isso também?

Liv: Eu percebo isso faz muitos anos. Eu acredito, com base na minha experiência e nas coisas que eu estudo, que tem muito a ver com um maior número de pessoas tendo acesso à internet. Vou te dar outro exemplo porque sou a menina dos exemplos! (risos). Eu comecei meu blog em 2014 e já existia muuuita blogueira na internet. Comecei inspirada em uma amiga que também estava se tornando influenciadora. Nós crescemos juntas, estudamos no mesmo lugar, mas ela tinha um outro ponto de vista, um ponto de vista de que ela deveria se aproximar dessas pessoas, as pessoas com closet, com a casa perfeita, que demonstram ter muito dinheiro – não necessariamente tem, mas demonstram ter muito dinheiro. Essa minha amiga na época casou, construiu a própria casa e teve um projeto incrível de fazer uma casa muito bonita e muito diferente do padrão de onde a gente mora. Uma casa de pinterest. Ela fez isso trabalhando muito, não foi na base do patrocínio porque, como disse, é uma pessoa que nem eu. Até que um dia eu descobri que ela mentia o lugar que ela morava! Descobri isso porque uma marcar queria entrar em contato com ela e, não conseguindo contato, a menina que trabalhava na marca viu que éramos amigas no Facebook e veio falar comigo pra ver se conseguia o telefone ou algo do tipo. Aí conseguiram falar com ela, mas precisavam combinar de buscá-la em casa e não estavam conseguindo falar com ela de novo. Me procuraram de novo pra saber se eu sabia onde ela morava. Disse “sei” e passei o nome do bairro. Nisso me perguntaram: “mas não era no Belvedere?”. Belvedere é um bairro caaaro que tem aqui [Belo Horizonte] e ela havia dito que morava lá. Eu fiquei muito chocada quando descobri isso porque eu achei muito bizarro. Era uma pessoa que eu conhecia, uma pessoa próxima de mim e não fazia sentido isso acontecer, mas aconteceu. Comecei a achar impossível que a vida de pessoas como a minha não fosse interessante.

Se poderia existir pessoas interessadas em vidas montadas, porque não existiriam pessoas interessadas na minha vida? Tem um tempo que esse comportamento está mudando, ao contrário de pessoas que fazem essa vida real, pessoas que tem dificuldades de verdade na vida, onde nem sempre é tudo fácil e que não estão comprando uma bolsa que custa um carro popular. É engraçado entender que existem pessoas tão fora da realidade do mundo, mas chega uma hora que cansa porque nada daquilo é alcançável. E eu acho que as pessoas estão num movimento de entender a influência digital como algo alcançável, como algo que é possível. Para quantas pessoas é possível montar um closet imenso? As redes sociais se moldam às pessoas, apesar de a gente achar que é o contrário. Então, cada vez mais estou vendo as pessoas nesse espaço e estou vendo as pessoas criticar cada vez mais as futilidades ao extremo, principalmente nesse momento de pandemia que a gente está vivendo, em que tudo que a gente acreditava como “o mundo”, ruir. E a gente vai precisar descobrir uma nova maneira de fazer o mundo. Então, eu acho que não é de hoje, tem um tempo que isto está caindo e acho que a influência do real é muito mais interessante. No fundo a gente gosta mesmo é de ver a farofada, não tem jeito não (risos).

 

Como diz Angela Davis, a liberdade é uma luta constante. Falar sobre feminismo é necessário e eles não poderão contar com a comodidade do nosso silêncio! Precisamos falar mais e falar mais alto.

No entanto, para que nossa voz ecoe mais longe precisamos do apoio de pessoas engajadas com nossa causa e dispostas a se juntar nessa mobilização. Podemos contar com você?

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